São Paulo, sábado, 01 de julho de 2000


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AMÉRICA LATINA
Crescimento do poder dos traficantes e denúncias de ligações com autoridades atingem candidato do governo
Narcotráfico afeta as eleições no México

MARCIO AITH
ENVIADO ESPECIAL AO MÉXICO

Na fracionada memória que os eleitores mexicanos têm do PRI (Partido Revolucionário Institucional), partido que governa o país há 71 anos, os anos 90 ficarão provavelmente marcados pela corrupção e pela ligação do governo com o narcotráfico.
Os fantasmas da violência e do conluio entre políticos importantes do PRI com traficantes transformaram-se nos dois maiores temas das eleições presidenciais e parlamentares que se realizam amanhã. O tema afeta diretamente o candidato do PRI, Francisco Labastida Ochoa, que, segundo as pesquisas, está empatado com o candidato oposicionista Vicente Fox Quesada, do PAN (Partido da Ação Nacional).
Labastida é acusado por seus opositores de ter fechado um acordo com chefes do tráfico quando, há dez anos, governava o Estado de Sinaloa, na costa do Pacífico, o mais violento e a sede do tráfico de cocaína do México.
Um relatório da CIA (serviço secreto dos EUA) divulgado há dois meses pelo jornal "The Washington Times" diz: "Labastida negou ter recebido propinas dos traficantes, mas, de maneira privada, reconhece que teve de chegar a acordos e fazer vistas grossas para algumas de suas atividades".
Labastida nega e menciona os dois atentados que sofreu como prova de que combateu o cartel da cocaína mexicano. "Meu carro foi metralhado duas vezes. Numa delas, eu estava com minha mulher e escapei por pouco".
Labastida também teve um contato próximo com o assunto drogas, como ministro do Interior, controlando a polícia federal e negociando nacionalmente o programa de combate ao tráfico.
Labastida à parte, as ligações do crime organizado com o PRI já entraram para a história.

Salinas
Elas ficaram escancaradas com a derrocada do presidente Carlos Salinas de Gortari (1988-1994), o político que dormiu como "queridinho" da comunidade internacional por implementar reformas liberais e acordou em desgraça por causa da crise financeira do país, em 1994, e da descoberta de que seu irmão mais velho, Raúl Salinas, havia instalado uma sucursal do narcotráfico dentro de "Los Pinos", o palácio presidencial mexicano.
Raúl Salinas está preso, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro das drogas e assassinato. Carlos auto-exilou-se em Dublin, na Irlanda do Norte.
Na última década, um governador do PRI perdeu o cargo depois de provado seu envolvimento com o narcotráfico. Outro, também ligado aos traficantes, simplesmente desapareceu, tendo fugido ou sido assassinado por quadrilhas que lhe pagavam salários mensais de US$ 1 milhão.
"Está claro que, depois de duas décadas em conluio com o narcotráfico, o PRI não tem as mínimas condições de combatê-lo", disse à Folha o candidato Vicente Fox Quesada, com chances reais de vencer Labastida no domingo.
O candidato das esquerdas, Cuauhtémoc Cárdenas, terceiro colocado na disputa, tem ido mais longe nas acusações ao PRI. "O dinheiro da campanha do PRI é o dinheiro das drogas", repete ele em seus comícios.

Corrupção
Segundo relatórios do governo dos EUA, as quadrilhas de drogas mexicanas dedicam cerca de 60% dos US$ 7 bilhões a US$ 10 bilhões que arrecadam todo ano para corromper autoridades.
"Como os policiais mexicanos ganham, por mês, US$ 300 a US$ 500 de salários, a corrupção torna-se irresistível", afirmou à Folha Pamela Starr, pesquisadora do Itam (Instituto Tecnológico Autônomo do México), um dos mais respeitados centros de pesquisa do país.
Os traficantes mexicanos deixaram de ser apenas um trampolim de entrada da cocaína colombiana nos EUA. Nas palavras de Thomas Constantine, diretor da DEA (a agência antidrogas dos EUA), "eles eclipsaram o crime organizado colombiano e transformaram-se na principal ameaça externa norte-americana".
Seis dos doze chefes do narcotráfico mais procurados pelo governo dos EUA são mexicanos. Eles possuem seu próprio sistema de distribuição dentro dos EUA e compram drogas diretamente do Peru e da Bolívia, sem pedir permissão aos colombianos.
A influência das quadrilhas de drogas não pouparam nem o governo de Ernesto Zedillo, um político alçado à Presidência em 1994 por um evento trágico, também relacionado às drogas.
Zedillo foi escolhido candidato do PRI depois que o candidato oficial de Salinas, Luis Donaldo Colosio, foi assassinado durante um comício na cidade de Tijuana, na fronteira com os EUA.
Embora a morte de Colosio nunca tenha sido esclarecida totalmente, a causa mais provável continua sendo a sua disposição de afastar do governo a influência de Raúl Salinas, o irmão do ex-presidente.
Em 1997, o chefe da polícia federal escolhido por Zedillo para limpá-la das influências das drogas, Juan Pablo de Tavira, foi envenenado poucas horas antes de um encontro em que anunciaria o afastamento dos comandantes sob a acusação de envolvimento do cartel das drogas. Ele vive em coma até hoje. Esse crime também não foi esclarecido.
"Nos anos 30 e 40, o PRI se notabilizou pela realização de uma das maiores reformas agrárias da história. Nas década de 60 e 70, o partido produziu um milagre econômico. Nos anos 80, a crise da dívida. Nos anos 90, as imagens vão certamente incluir as ligações do partido com o narcotráfico", disse a pesquisadora Starr.
Embora os índices de criminalidade no México tenham caído desde 1997, quase 90% dos homicídios estão ligados ao narcotráfico. Só 3% deles são esclarecidos.


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