São Paulo, sexta-feira, 01 de julho de 2005

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ANÁLISE

A líder que pode libertar a Alemanha

WOLFANG MUNCHAU
DO "FINANCIAL TIMES"

O chanceler alemão, Gerhard Schröder, ocupa o corredor da morte da política européia. A economia alemã se encontra em depressão há dez anos, e o desemprego já está em 11,6%.
A oportunista campanha eleitoral antiamericana de Schröder em 2002 prejudicou as relações de seu país com os EUA, tradicionalmente boas. Seu corporativismo instintivo e sua ausência de liderança contribuíram em muito para a crise que a União Européia enfrenta. A única decisão política importante tomada pelo chanceler alemão -a reforma trabalhista e previdenciária lançada em 2003- teve efeito contrário ao desejado, pois ele não foi capaz de justificá-la. Poucas vezes na política européia moderna um fracasso político tem sido tão profundo.
O premiê britânico, Tony Blair, e outros líderes têm razão em olhar para além de Schröder, enxergando em Angela Merkel, da União Democrata-Cristã, a próxima líder da Alemanha. É pouco provável que a vantagem que ela ostenta nas pesquisas seja revertida. A única dúvida é se a coalizão CDU-União Social Cristã (CSU) vai ou não conseguir uma maioria absoluta (é provável que não).
Merkel representa uma Alemanha mais liberal e mais transatlântica. Mas os estrategistas americanos e britânicos cometeriam um engano se se adiantassem aos fatos, tentando avaliar as conseqüências da vitória de Merkel. Ela provavelmente não irá se voltar contra o presidente francês, Jacques Chirac. Tampouco deve mostrar-se favorável a uma aliança estratégica anglo-alemã. O que, então, podemos esperar dela?
Como muitos líderes oposicionistas, Merkel se mostra muito mais clara em matéria de política interna do que na área externa. Ela vem sendo comparada, com freqüência, à ex-premiê britânica Margaret Thatcher. Existem algumas semelhanças marcantes entre elas. Ambas são cientistas, o que é pouco comum em se tratando de políticos de primeiro escalão nesses dois países. A baronesa Thatcher é química formada em Oxford. Merkel possui doutorado em física e tem trabalhos publicados em periódicos científicos.
Filha de um pastor protestante, Merkel passou sua infância em Brandenburgo, na Alemanha Oriental. Diferentemente da maioria de seus pares na CDU, sua vida política começou com a unificação alemã. Ela demonstra respeito ostensivo pela economia social de mercado alemã, mas freqüentemente argumenta fora de seu contexto. Merkel faz parte do grupo restrito de políticos capaz de usar a palavra "liberdade" sem demonstrar constrangimento.
Mas os thatcheritas britânicos não devem enxergá-la como membro honorário de seu grupo. Merkel nunca se cansa de observar que a baronesa Thatcher se opôs "à unificação alemã", que foi a razão de ser da vida política dela.
Diferentemente de Blair, Merkel se opõe à entrada da Turquia na União Européia. Consta que sua posição a esse respeito endureceu desde que os plebiscitos francês e holandês sobre a Constituição européia deram a vitória ao "não". Essa também é uma questão sobre a qual ela discorda dos EUA. Mas ela aceita os compromissos que a UE já assumiu com a Romênia e a Bulgária e também apóia a ampliação da UE para os Bálcãs.
Sob sua liderança, a Alemanha conservaria sua relação estreita com Chirac, mas essa relação se tornaria menos exclusiva. Especificamente, prevejo que a Alemanha volte à diplomacia que aperfeiçoou no passado, criando relacionamentos estratégicos com países menores da UE.
Mas a questão crucial do governo Merkel deverá ser a reforma econômica. Nos primeiros dois anos de seu mandato, o apoio aos liberais deve lhe proporcionar uma maioria nas duas Casas do Parlamento, o Bundestag e o Bundesrat. Uma "maioria dupla" estável é algo bastante raro na política alemã e constitui uma janela de oportunidade para a adoção de reformas pouco populares, sobretudo no mercado trabalhista.
Quando chegou ao poder, Schröder dispunha de maioria dupla, mas não fez uso dela. Quando, recentemente, Merkel disse que o Estado do Bem-Estar Social alemão já não é mais sacrossanto, ela assinalou que pode optar por uma reforma radical.
Não devemos, porém, enxergar esse programa de reformas como algo garantido e certo. Existe no interior do partido de Merkel uma oposição forte a algumas das propostas da candidata, como a reforma fundamental do sistema de saúde, o afrouxamento das leis relativas à contratação e demissão de funcionários e a abolição do cartel salarial que inclui empregadores e sindicatos.
O liberalismo de Merkel termina com a imigração. Não existe chance de sua Alemanha abrir o mercado de trabalho para imigrantes dos novos países da UE antes da hora prevista. Tampouco devemos esperar que Merkel apóie a posição de Blair sobre o desconto de que os britânicos gozam no Orçamento do bloco e sua decisão de vincular a discussão desse desconto à reforma da Política Agrícola Comum da UE.
Existe apoio considerável à PAC entre alguns setores da CDU e, especialmente, da CSU, sua aliada da Baviera. Diferentemente do Reino Unido, a Alemanha não deve renegar o compromisso que assumiu com a França de manter a PAC até 2013.
Merkel é liberal, partidária do transatlantismo e pró-UE. Ela não se encaixa facilmente nas categorias existentes na Europa. Com ela, prevejo relações muito melhores da Alemanha com o Reino Unido e os EUA, mas a mudança seria mais de estilo do que de conteúdo. O que torna um governo Merkel potencialmente instigante é a chance de que haja uma reforma econômica real. Isso possibilitaria a Merkel dar novo rumo à aliança franco-alemã e à Europa.


Tradução de Clara Allain

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