|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
A líder que pode libertar a Alemanha
WOLFANG MUNCHAU
DO "FINANCIAL TIMES"
O chanceler alemão, Gerhard
Schröder, ocupa o corredor da
morte da política européia. A economia alemã se encontra em depressão há dez anos, e o desemprego já está em 11,6%.
A oportunista campanha eleitoral antiamericana de Schröder em
2002 prejudicou as relações de seu
país com os EUA, tradicionalmente boas. Seu corporativismo
instintivo e sua ausência de liderança contribuíram em muito para a crise que a União Européia
enfrenta. A única decisão política
importante tomada pelo chanceler alemão -a reforma trabalhista e previdenciária lançada em
2003- teve efeito contrário ao
desejado, pois ele não foi capaz de
justificá-la. Poucas vezes na política européia moderna um fracasso
político tem sido tão profundo.
O premiê britânico, Tony Blair,
e outros líderes têm razão em
olhar para além de Schröder, enxergando em Angela Merkel, da
União Democrata-Cristã, a próxima líder da Alemanha. É pouco
provável que a vantagem que ela
ostenta nas pesquisas seja revertida. A única dúvida é se a coalizão
CDU-União Social Cristã (CSU)
vai ou não conseguir uma maioria
absoluta (é provável que não).
Merkel representa uma Alemanha mais liberal e mais transatlântica. Mas os estrategistas americanos e britânicos cometeriam
um engano se se adiantassem aos
fatos, tentando avaliar as conseqüências da vitória de Merkel. Ela
provavelmente não irá se voltar
contra o presidente francês, Jacques Chirac. Tampouco deve
mostrar-se favorável a uma aliança estratégica anglo-alemã. O que,
então, podemos esperar dela?
Como muitos líderes oposicionistas, Merkel se mostra muito
mais clara em matéria de política
interna do que na área externa.
Ela vem sendo comparada, com
freqüência, à ex-premiê britânica
Margaret Thatcher. Existem algumas semelhanças marcantes entre elas. Ambas são cientistas, o
que é pouco comum em se tratando de políticos de primeiro escalão nesses dois países. A baronesa
Thatcher é química formada em
Oxford. Merkel possui doutorado
em física e tem trabalhos publicados em periódicos científicos.
Filha de um pastor protestante,
Merkel passou sua infância em
Brandenburgo, na Alemanha
Oriental. Diferentemente da
maioria de seus pares na CDU,
sua vida política começou com a
unificação alemã. Ela demonstra
respeito ostensivo pela economia
social de mercado alemã, mas freqüentemente argumenta fora de
seu contexto. Merkel faz parte do
grupo restrito de políticos capaz
de usar a palavra "liberdade" sem
demonstrar constrangimento.
Mas os thatcheritas britânicos
não devem enxergá-la como
membro honorário de seu grupo.
Merkel nunca se cansa de observar que a baronesa Thatcher se
opôs "à unificação alemã", que foi
a razão de ser da vida política dela.
Diferentemente de Blair, Merkel
se opõe à entrada da Turquia na
União Européia. Consta que sua
posição a esse respeito endureceu
desde que os plebiscitos francês e
holandês sobre a Constituição européia deram a vitória ao "não".
Essa também é uma questão sobre a qual ela discorda dos EUA.
Mas ela aceita os compromissos
que a UE já assumiu com a Romênia e a Bulgária e também apóia a
ampliação da UE para os Bálcãs.
Sob sua liderança, a Alemanha
conservaria sua relação estreita
com Chirac, mas essa relação se
tornaria menos exclusiva. Especificamente, prevejo que a Alemanha volte à diplomacia que aperfeiçoou no passado, criando relacionamentos estratégicos com
países menores da UE.
Mas a questão crucial do governo Merkel deverá ser a reforma
econômica. Nos primeiros dois
anos de seu mandato, o apoio aos
liberais deve lhe proporcionar
uma maioria nas duas Casas do
Parlamento, o Bundestag e o Bundesrat. Uma "maioria dupla" estável é algo bastante raro na política alemã e constitui uma janela de
oportunidade para a adoção de
reformas pouco populares, sobretudo no mercado trabalhista.
Quando chegou ao poder,
Schröder dispunha de maioria
dupla, mas não fez uso dela.
Quando, recentemente, Merkel
disse que o Estado do Bem-Estar
Social alemão já não é mais sacrossanto, ela assinalou que pode
optar por uma reforma radical.
Não devemos, porém, enxergar
esse programa de reformas como
algo garantido e certo. Existe no
interior do partido de Merkel
uma oposição forte a algumas das
propostas da candidata, como a
reforma fundamental do sistema
de saúde, o afrouxamento das leis
relativas à contratação e demissão
de funcionários e a abolição do
cartel salarial que inclui empregadores e sindicatos.
O liberalismo de Merkel termina com a imigração. Não existe
chance de sua Alemanha abrir o
mercado de trabalho para imigrantes dos novos países da UE
antes da hora prevista. Tampouco
devemos esperar que Merkel
apóie a posição de Blair sobre o
desconto de que os britânicos gozam no Orçamento do bloco e sua
decisão de vincular a discussão
desse desconto à reforma da Política Agrícola Comum da UE.
Existe apoio considerável à PAC
entre alguns setores da CDU e, especialmente, da CSU, sua aliada
da Baviera. Diferentemente do
Reino Unido, a Alemanha não deve renegar o compromisso que
assumiu com a França de manter
a PAC até 2013.
Merkel é liberal, partidária do
transatlantismo e pró-UE. Ela não
se encaixa facilmente nas categorias existentes na Europa. Com
ela, prevejo relações muito melhores da Alemanha com o Reino
Unido e os EUA, mas a mudança
seria mais de estilo do que de conteúdo. O que torna um governo
Merkel potencialmente instigante
é a chance de que haja uma reforma econômica real. Isso possibilitaria a Merkel dar novo rumo à
aliança franco-alemã e à Europa.
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Alemanha: Legislativo deve aprovar hoje saída de Schröder Próximo Texto: Irã: Reféns acusam Ahmadinejad de seqüestro Índice
|