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Guarda inquieta mexicanos e americanos
Envio de Guarda Nacional para patrulhar fronteira em Marfa é visto com expectativa e desconfiança
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A MARFA (TEXAS)
Nos EUA, quando alguém diz
que está indo para "o meio do
nada", não é raro o interlocutor
perguntar: "Marfa, Texas"? Essa cidadezinha de 2 mil habitantes, plantada no meio do deserto do oeste do Estado do
presidente, é mais conhecida
por ter sido cenário do épico
"Assim Caminha a Humanidade", de 1956, que viu o ator
principal, James Dean, morrer
ao final das filmagens.
Quando o forasteiro ("forasteiro" e "faroeste" são expressões comuns por aqui; "Faroeste, Texas", aliás, é a localização
que os repórteres do único jornal local colocam debaixo de
seu nome) começa a assuntar
sobre uma das principais mudanças pela qual a cidade passará em seus 150 anos de existência -o envio, por parte do
governo federal, de soldados da
Guarda Nacional para vigiar as
fronteiras, conforme anunciado em maio pelo presidente
George W. Bush-, as pessoas
respondem com um nome:
Esequiel Hernandez Jr.
Em 20 de maio de 1997, como
fazia todas as manhãs, esse
americano de 18 anos, filho de
mexicanos, saiu para pastorear
suas cabras.
Como sempre, levou um rifle
de um tiro, feito antes da Primeira Guerra e presenteado
por seu pai, que usava para
afastar e coiotes de sua criação.
O que ele não sabia -nem nenhum dos 2.000 marfianos- é
que o governo federal havia enviado um destacamento de fuzileiros navais para fazer sua
primeira missão de combate às
drogas aqui na fronteira.
Nem as autoridades locais sabiam que o grupo de cinco marines se encontrava há três dias
sem dormir, acampado no alto
de uma colina, observando a divisa entre EUA e México, nessa
região cortada pelo rio Grande.
Quando um deles, o cabo Clemente Bañuelos, de 22 anos,
também americano filho de
mexicanos, avistou de binóculo
Hernandes carregando a espingarda, disparou.
O pastor morreu na hora. A
cidade parou para seguir o caso
e protestar. Grupos de direitos
humanos vieram de vários lugares do país. Até hoje, ninguém foi indiciado pelo crime, a
primeira morte de um civil norte-americano por um soldado
norte-americano desde as revoltas estudantis da Universidade de Kent, em 1970.
"Desastre"
"O papel das Forças Armadas
não é vigiar norte-americanos",
disse à Folha Jerry Agana, o
juiz de Marfa. "Se quiserem
usar os soldados para serviços
de inteligência, posso até entender, mas para lidar com civis de ambos os lados, é caminho para um novo desastre."
Com ele concorda o ex-professor mexicano Enrique Madrid. E o autor norte-americano Robert Halpern. Mas não
Bill Brooks, porta-voz da Patrulha da Fronteira. "Eles são
muito bem-vindos. Na verdade, não vemos a hora de os soldados chegarem." Marfa é sede
do quartel-general de um dos
maiores setores da Patrulha da
Fronteira, responsável por 118
condados espalhados por 350
mil km2 e pela vigilância de
750 quilômetros de fronteira
do Estado com o México. Conta com 250 patrulheiros. Dá
um homem a cada 3 km, num
terreno acidentado, cheio de
montanhas, vales e rios.
Em Washington, Michael
Chertoff, titular do Departamento de Defesa Nacional,
anunciava nesta semana que
durante a gestão de Bush o
contingente da Patrulha da
Fronteira pulou de 9.000 para
12 mil homens e deve chegar a
18 mil até 2008. Para o mesmo
ano, o presidente pediu ao
Congresso adicional de US$ 2
bilhões para a força.
O dinheiro e o pessoal extra
ainda não chegaram a Marfa.
Mas a Guarda Nacional começa
a chegar. Brooks revelou à Folha que alguns soldados já estão na cidade, à paisana. Vieram sentir o clima e talvez
atuar em sua primeira missão:
ver como essa fronteira se comporta nas eleições presidenciais de amanhã, no México.
É que a estrada que passa por
Marfa acaba em Ojinaga, a primeira cidade mexicana do outro lado da ponte. Segundo as
pesquisas, a região fecha com o
candidato esquerdista Andrés
Manuel López Obrador.
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