São Paulo, sábado, 01 de julho de 2006

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Guarda inquieta mexicanos e americanos

Envio de Guarda Nacional para patrulhar fronteira em Marfa é visto com expectativa e desconfiança

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A MARFA (TEXAS)

Nos EUA, quando alguém diz que está indo para "o meio do nada", não é raro o interlocutor perguntar: "Marfa, Texas"? Essa cidadezinha de 2 mil habitantes, plantada no meio do deserto do oeste do Estado do presidente, é mais conhecida por ter sido cenário do épico "Assim Caminha a Humanidade", de 1956, que viu o ator principal, James Dean, morrer ao final das filmagens.
Quando o forasteiro ("forasteiro" e "faroeste" são expressões comuns por aqui; "Faroeste, Texas", aliás, é a localização que os repórteres do único jornal local colocam debaixo de seu nome) começa a assuntar sobre uma das principais mudanças pela qual a cidade passará em seus 150 anos de existência -o envio, por parte do governo federal, de soldados da Guarda Nacional para vigiar as fronteiras, conforme anunciado em maio pelo presidente George W. Bush-, as pessoas respondem com um nome: Esequiel Hernandez Jr.
Em 20 de maio de 1997, como fazia todas as manhãs, esse americano de 18 anos, filho de mexicanos, saiu para pastorear suas cabras.
Como sempre, levou um rifle de um tiro, feito antes da Primeira Guerra e presenteado por seu pai, que usava para afastar e coiotes de sua criação. O que ele não sabia -nem nenhum dos 2.000 marfianos- é que o governo federal havia enviado um destacamento de fuzileiros navais para fazer sua primeira missão de combate às drogas aqui na fronteira.
Nem as autoridades locais sabiam que o grupo de cinco marines se encontrava há três dias sem dormir, acampado no alto de uma colina, observando a divisa entre EUA e México, nessa região cortada pelo rio Grande. Quando um deles, o cabo Clemente Bañuelos, de 22 anos, também americano filho de mexicanos, avistou de binóculo Hernandes carregando a espingarda, disparou.
O pastor morreu na hora. A cidade parou para seguir o caso e protestar. Grupos de direitos humanos vieram de vários lugares do país. Até hoje, ninguém foi indiciado pelo crime, a primeira morte de um civil norte-americano por um soldado norte-americano desde as revoltas estudantis da Universidade de Kent, em 1970.

"Desastre"
"O papel das Forças Armadas não é vigiar norte-americanos", disse à Folha Jerry Agana, o juiz de Marfa. "Se quiserem usar os soldados para serviços de inteligência, posso até entender, mas para lidar com civis de ambos os lados, é caminho para um novo desastre."
Com ele concorda o ex-professor mexicano Enrique Madrid. E o autor norte-americano Robert Halpern. Mas não Bill Brooks, porta-voz da Patrulha da Fronteira. "Eles são muito bem-vindos. Na verdade, não vemos a hora de os soldados chegarem." Marfa é sede do quartel-general de um dos maiores setores da Patrulha da Fronteira, responsável por 118 condados espalhados por 350 mil km2 e pela vigilância de 750 quilômetros de fronteira do Estado com o México. Conta com 250 patrulheiros. Dá um homem a cada 3 km, num terreno acidentado, cheio de montanhas, vales e rios.
Em Washington, Michael Chertoff, titular do Departamento de Defesa Nacional, anunciava nesta semana que durante a gestão de Bush o contingente da Patrulha da Fronteira pulou de 9.000 para 12 mil homens e deve chegar a 18 mil até 2008. Para o mesmo ano, o presidente pediu ao Congresso adicional de US$ 2 bilhões para a força.
O dinheiro e o pessoal extra ainda não chegaram a Marfa. Mas a Guarda Nacional começa a chegar. Brooks revelou à Folha que alguns soldados já estão na cidade, à paisana. Vieram sentir o clima e talvez atuar em sua primeira missão: ver como essa fronteira se comporta nas eleições presidenciais de amanhã, no México.
É que a estrada que passa por Marfa acaba em Ojinaga, a primeira cidade mexicana do outro lado da ponte. Segundo as pesquisas, a região fecha com o candidato esquerdista Andrés Manuel López Obrador.


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