São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2004

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ANÁLISE

Kerry prova falência democrata

DEMÉTRIO MAGNOLI
COLUNISTA DA FOLHA

"A única coisa consistente nas posições de meu oponente é a inconsistência." George W. Bush carrega a justificada fama de tropeçar nas palavras, mas foi dele a melhor frase do debate. Ela sintetizou a estratégia, perseguida com perseverança quase rude, de relembrar as oscilações de John Kerry sobre a Guerra do Iraque.
Bush repetiu à exaustão as perguntas que pintam um Kerry hesitante e confuso. Isso pode funcionar numa nação em guerra. "Eu errei ao falar sobre a guerra, mas o presidente errou na decisão da guerra. O que é pior?" O pior, num debate, é ficar nas cordas. Bush não admitiu erros. Kerry admitiu um. Ponto para Bush.
Kerry foi vítima da adesão, envergonhada e hesitante, do Partido Democrata à Doutrina Bush. É difícil se desvencilhar disso às vésperas da eleição. Bush entoou a canção que toca fundo na tradição americana: espalhar a democracia pelo mundo. Kerry foi incapaz de desvendar a carga de cinismo e aventura que há nessa idéia, porque essa é uma idéia que contamina a história dos EUA.
O desafiante fez o melhor possível, em circunstâncias adversas. Distinguiu o Afeganistão do Iraque. Separou Osama bin Laden de Saddam Hussein. Enfatizou a necessidade de alianças. Afirmou, corretamente, que a ocupação do Iraque é uma bandeira nas mãos do exército de fanáticos do fundamentalismo. Mas esse discurso chega tarde, talvez tarde demais.
Qual é o plano de Kerry para o Iraque? Uma conferência internacional, eleições em janeiro, treinamento das tropas iraquianas. Esse é o plano de Bush. Eis aí a prova da falência política dos democratas. Kerry conviveu com ela durante 90 longos minutos.
Bush olhou sempre direto para as câmeras. Kerry olhava para o lado. Bush usou frases curtas. Desta vez, um Kerry bem treinado expressou-se de modo claro e direto. Bush e Kerry concordaram sobre a "maior ameaça" aos EUA: a proliferação de armas de destruição em massa, que poderiam chegar às mãos dos terroristas. Kerry marcou pontos ao apontar o dedo para a Coréia do Norte e o Irã. Os mais sofisticados, mas apenas eles, notaram que o "foco iraquiano" de Bush deixa os flancos abertos, num mundo complexo e perigoso.
O que sobra? Provavelmente, a clareza de Bush: "As pessoas conhecem a minha posição. As pessoas sabem no que acredito." Kerry não poderia dito isso.


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