São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2005

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GUERRA SEM LIMITES

Zaeef passou quatro anos na prisão

Ex-porta-voz do Taleban comenta tempo que passou detido pelos EUA

CARLOTTA GALL
DO "NEW YORK TIMES", EM CABUL

Abdul Salam Zaeef foi um representante do Taleban e se tornou um dos rostos mais conhecidos do governo islâmico afegão após o 11 de Setembro, quando passou a conceder entrevistas coletivas diárias à imprensa, defendendo a determinação do Taleban de combater, em lugar de entregar Osama bin Laden.
Agora, quatro anos mais tarde, boa parte deles passados encarcerado sob custódia dos EUA, Zaeef, 37, está de volta ao Afeganistão. Mais discreto, deixou de usar seu título de mulá, mas ainda conserva o turbante negro e a barba longa, que são característicos dos membros do Taleban.
Zaeef estava vivendo na capital paquistanesa, Islamabad, quando foi preso, em janeiro de 2002. Desde então, contou, ele já ficou detido no Paquistão, passou uma semana numa cela num navio de guerra americano, alguns meses em bases aéreas americanas no Afeganistão e, finalmente, mais de três anos no campo da baía de Guantánamo, em Cuba. Ele foi libertado no início de setembro.
Em entrevista concedida num local seguro garantido pelo governo em Cabul, ele contou que seus guardas americanos em Guantánamo lhe disseram que ele já não era visto como risco. "Eles falaram: "Você não é culpado, e o fato de estar preso há tanto tempo não está certo'", comentou.
O porta-voz principal das forças dos EUA no Afeganistão, James Yonts, confirmou a libertação de Zaeef no início de setembro.
O assessor de Segurança Nacional dos EUA, Stephen Hadley, disse que Zaeef foi preso porque constava da lista compilada pelo governo americano de pessoas procuradas por terrorismo. Hadley afirmou que a libertação de Zaeef e outros vem sendo decidida caso a caso, dependendo do papel que cada um exerceu no Taleban, da extensão de sua cooperação com o combate ao terror e do efeito que sua volta terá no sentido de atrair outras pessoas para o processo de reconciliação.
Sebaghatullah Mojadeddi, chefe da Comissão de Paz e Reconciliação do governo afegão, disse que, durante o período que passou encarcerado em Guantánamo, Zaeef não foi acusado de nada. "Na minha opinião, ele não pecou", disse Mojadeddi. "E, se foi culpado, ele já passou tempo suficiente ali."
Mojadeddi disse que as forças americanas estão pouco a pouco libertando os 102 detentos afegãos remanescentes em Guantánamo.
Zaeef está vivendo na capital afegã com suas despesas custeadas pelo governo. Ele se reencontrou com sua família -duas esposas e oito filhos- e está sendo protegido por guardas do governo. "Ele poderá permanecer quanto tempo quiser, mas está livre", disse Mojadeddi.
Ministro dos Transportes antes dos dois anos que passou como enviado do Taleban ao Paquistão, Zaeef é um dos mais importantes representantes do Taleban a retornar ao Afeganistão dentro do quadro do programa de reconciliação promovido pelo governo.
Zaeef não tem certeza do que fará a seguir. "Estou cansado", falou. "Só quero ficar com minha família e ver meus filhos." Ele não tem planos de voltar para sua província natal, Candahar, nem de ajudar o governo a convencer outros integrantes do Taleban a desistir de combater, embora seja favorável a esse esforço.
Em seu papel de embaixador, Zaeef foi visto como principal canal de contato com a liderança do Taleban após o 11 de Setembro. Mas também era visto como figura moderada, apesar das diatribes que lançava diariamente desde o balcão da embaixada, acusando as forças americanas de cometer genocídio no Afeganistão.
Ele contou que, durante esse período, manteve contatos com representantes paquistaneses e americanos e chegou a conversar ao telefone com Hamid Karzai, o atual presidente do Afeganistão. Além disso, organizou várias delegações de clérigos de alto nível para fazer consultas com o líder do Taleban, o mulá Muhammad Omar, para tentar evitar a guerra.
Sua missão fracassou, disse, porque era demasiado difícil um país pobre e sem poder, como o Afeganistão, chegar a um entendimento com uma superpotência que ele descreveu como "muito emotiva" em relação ao uso da força. "Os afegãos não são os inimigos naturais dos EUA", disse ele. "Tínhamos um problema de extremismo, mas a guerra não é solução para isso."
Zaeef disse que autoridades americanas e paquistanesas chegaram a lhe oferecer dinheiro para que rompesse com o mulá Omar e fundasse seu partido político próprio e moderado. Isso poderia tê-lo poupado de passar quatro anos preso, mas ele disse que em nenhum momento levou a hipótese em consideração.
Mesmo hoje, Zaeef hesita em afirmar que Osama bin Laden tenha sido responsável pelos ataques ao World Trade Center. "Não sei quem cometeu esses ataques, mas, quando aconteceram, eu os condenei", disse ele. "Acredito na segurança e na paz."


Tradução de Clara Allain

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