São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2005

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ORIENTE MÉDIO

Tali Fahima, que ajudava refugiados palestinos, ficou presa por sete meses em regime de isolamento total

Judia de 20 anos vira "perigo para Israel"

Ariel Schalit - 6.set.2004/Associated Press
Tali Fahima, que aguarda julgamento a ser realizado neste mês


STEPHANIE LE BARS
DO "LE MONDE"

A imagem é sempre a mesma: cercada de policiais, uma jovem pálida, com os cabelos escuros severamente puxados para trás num rabo de cavalo, esboça um sorriso numa sala de tribunal. Seu olhar é calmo, sua silhueta, fina e frágil, quase juvenil. De seu passado de secretária numa firma de advocacia, Tali Fahima conservou o estilo discreto e os óculos de aro preto que endurecem seu rosto anguloso. É essa imagem que o público israelense ficou conhecendo há pouco mais de um ano, quando essa jovem de 20 anos foi decretada "perigo para o Estado".
Presa em 10 de agosto de 2004, Tali passou sete meses no isolamento mais absoluto, em detenção administrativa. Esse procedimento de exceção permite que seja detida durante anos, sem processo, qualquer pessoa que supostamente representa um risco para a segurança nacional. Milhares de palestinos e alguns ativistas israelenses de extrema direita já conheceram esse procedimento.
Mas é a primeira vez que uma judia é vítima dele. Hoje mantida em prisão preventiva, há cinco meses, Tali aguarda o próximo passo de seu processo, aberto em julho em Tel Aviv. As próximas audiências -a portas fechadas- foram marcadas para este mês.
Ela é acusada de ter participado da preparação de atentados, de ter "prestado assistência ao inimigo em tempos de guerra" e de porte ilegal de arma. Tali Fahima nega todas as acusações categoricamente. Ela admite apenas ter ido várias vezes a Jenin, na Cisjordânia ocupada, entre setembro de 2003 e agosto de 2004.
Sua intenção, ela jura, era ajudar as crianças do campo de refugiados local, fortemente atingido durante os anos da Intifada.
Ciente de que seu projeto dito humanitário seria fadado ao fracasso sem a aprovação e o apoio de ativistas palestinas, os verdadeiros chefes do campo, a moça procurou o primeiro entre eles, chamado Zacharia Zubeidi. Chefe local das Brigadas dos Mártires de Al Aqsa, um grupo armado que reivindicou vários atentados suicidas em Israel, o jovem Zubeidi foi retratado como um dos terroristas mais procurados por Israel.
Juliano Mer Khamis, um cineasta israelense engajado, conhece o palestino de longa data. Nos anos 1990, sua própria mãe, Arna Mer Khamis, fundou um grupo de teatro infantil em Jenin, e Zacharia Zubeidi, então adolescente, participou do projeto. Juliano fez um documentário comovente baseado nessa experiência, em 2003.
"Zacharia me perguntou o que eu pensava da moça chamada Tali", recorda o cineasta. "Eu lhe disse que ela tinha as mesmas intenções de minha mãe, mas lhe recomendei prudência." Tali poderia muito bem ser telecomandada pelo Shin Bet, o poderoso serviço israelense de segurança interna.
Em algumas visitas feitas a Jenin, Tali Fahima conquistou a confiança dos palestinos. Ela se esforçou para levantar fundos para comprar livros e computadores para as crianças refugiadas.
Algum tempo depois, quando os comandados do ativista palestino foram sendo eliminados pelo Exército, um por um, ela se declarou disposta a servir de "escudo humano" para Zubeidi. Romantismo ou provocação? Essa atitude colocou Tali Fahima definitivamente à margem da sociedade na qual nasceu.
"Após a prisão de Tali, o Shin Bet a descreveu da maneira mais feia possível", afirma sua mãe, Sarah Lakhyani. Antiga operária têxtil, desempregada há meses, Sarah se irrita: "Eles fizeram entender que ela tinha tido uma história de amor com um palestino e até mesmo que estaria grávida dele. Como se isso não bastasse, escolheram "o pior" entre eles, esse Zacharia Zubeidi. Mas em Jenin, todo o mundo sabe disso, ela passava seu tempo com as mulheres e as crianças!".

Informação
"Se ela o fez, o que vai impedir milhares de outras pessoas, amanhã, de decidir que também querem ir ver de perto a realidade da ocupação nos territórios?", perguntou Lin Chalozin-Dovrat, responsável por uma organização pacifista que presta apoio a Tali.
"Para evitar isso, a Justiça vai fazer dela um exemplo. O Estado se dispõe a aceitar algumas manifestações pró-palestinas, para mostrar o quanto é democrático. Mas, ao dialogar com um "terrorista", Tali passou dos limites."
Resta o fato de que "coragem" e "obstinação" não bastam para explicar como e por que uma jovem criada numa cidade conservadora -Kiriat Gat, no sul do país-, tenha podido se meter numa situação como essa. Tali Fahima enfrentou barreiras militares para ir até território palestino e, agora, corre o risco de ser condenada a uma pena de prisão pesada.
A israelense é uma espécie de enigma. "Votei no Likud [partido da direita de Israel] por toda minha vida", ela explicou à imprensa quando foi presa. "Fui educada para ter medo e ódio dos árabes. Eu achava que a ocupação era justa. Mas, quando descobri que minha liberdade era garantida à custa da liberdade dos palestinos não pude aceitar isso."
Tali descobriu a discriminação contra "os árabes" em 2002, na firma de advocacia na qual trabalhou até seu itinerário curioso ser divulgado pela mídia.
Mas foi na fase mais intensa da Segunda Intifada, a revolta palestina contra a ocupação, que Tali passou a comprar todos os jornais, a navegar na internet e conhecer internautas árabes, com os quais manteria longas conversas em inglês. Essas comunicações provocaram a desconfiança do serviço de segurança interno, que a interrogou sobre esse interesse.
Em relação ao processo, a advogada de Tali, Smadar Ben Natan, não esconde sua preocupação. "Se os juízes se ativerem aos elementos objetivos, estarei otimista, pois não existe nada ali. Mas eles vão levar em conta considerações de segurança e a pressão da opinião pública. É isso que me deixa pessimista."
O elemento mais palpável da acusação está num "documento militar secreto" que Tali teria "traduzido" para seus amigos palestinos. Mas Zacharia Zubeidi fala hebraico, e os folhetos em questão, perdidos por soldados israelenses no campo de Jenin, apenas ofereciam alguns dados biográficos sobre palestinos investigados e continham fotos aéreas -do próprio campo de Jenin.
Zubeidi pediu que, no caso de Israel e a Autoridade Nacional Palestina fecharem um acordo para a libertação de detentos palestinos, a jovem seja incluída no acordo. Hoje, diz Juliano, "o retrato de Tali está em cartazes espalhados pelo campo", como estão os retratos dos "mártires" palestinos.

Tradução de Clara Allain

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