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Igreja Católica e Kirchner medem forças nas urnas
Em Misiones, bispo concorre contra governador kirchnerista que tenta a reeleição
Segundo analistas, a falta de uma oposição partidária forte abriu espaço para que o clero intervenha mais no mundo da política argentina
BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES
O presidente argentino, Néstor Kirchner, e a Igreja Católica
no país preparam as armas para
atingir o ponto mais alto de seu
enfrentamento, que sempre teve como pano de fundo a última
ditadura militar: neste mês,
medirão suas forças nas urnas.
O confronto será na Província de Misiones, no lado argentino das Cataratas do Iguaçu.
Lá, o atual governador, que é
kirchnerista e está no segundo
mandato, pretende implementar, com o apoio da Casa Rosada, a reeleição ilimitada em
uma reforma constitucional.
Haverá eleições no próximo
dia 29 para formar a Assembléia Constituinte da Província. E é a igreja que encabeça
-com o bispo de Puerto Iguazú, Joaquín Piña, como o principal candidato- a frente eleitoral opositora para tentar evitar a mudança e impedir que
ela seja repetida em todo o país.
Com Orçamento anual de
cerca de 205 milhões de pesos
(cerca de R$ 143 milhões) -dos
quais 7% saem dos cofres públicos-, a igreja, mesmo sem estar inscrita na Justiça eleitoral,
é a organização com mais condições de fazer frente à chamada "supremacia K".
Com 80% de aprovação popular, Kirchner tem como bandeira política a condenação dos
repressores pelo "terrorismo
de Estado" praticado na ditadura (1976-1983). O presidente
não perde uma oportunidade
de lembrar que, nesse período,
a igreja apoiou e acobertou as
atrocidades dos militares.
Agora, um promotor de Justiça se prepara para pedir a
abertura do primeiro processo
contra um então membro da
igreja por participação em tortura, homicídios e seqüestros
de bebês durante o regime.
Em visita a Misiones para
apoiar o projeto de reeleição
"para sempre", na semana que
passou, Kirchner elevou o tom
do discurso. "Sempre me disseram que Deus é de todos, que
Deus não tem partido", discursou. "Por que aqueles que hoje
pedem equilíbrio não o fizeram
na época da ditadura, quando
desaparecia gente?"
"Partido de Deus"
A falta de uma oposição forte,
segundo analistas, abriu espaço
para que o clero intervenha
mais no mundo da política.
Com a UCR (União Cívica
Radical) e o Partido Justicialista (peronista) rachados e com
governadores que, ignorando
suas legendas, aliam-se ao governo para se aproveitarem da
popularidade de Kirchner, não
há, hoje, nenhum partido político forte na Argentina.
Pessoas ligadas à igreja dizem que a orientação é que os
bispos "participem mais da vida política" e respondam a "demandas da sociedade civil". Isso já tem sido feito em questões
como a concentração de terras
nas mãos de estrangeiros.
Para alguns analistas, Kirchner enxerga o chefe da igreja no
país, o cardeal Jorge Bergoglio,
presidente da Conferência
Episcopal Argentina, como o
seu maior opositor.
Bergoglio, 70, que, segundo a
versão extra-oficial teria ficado
em segundo lugar na sucessão
do papa João Paulo 2º, é apontado em livro do jornalista Horacio Verbitsky como responsável por denunciar colegas da
igreja ao regime.
Com ótimo relacionamento
com o ex-ministro Roberto Lavagna, que o visita sempre, o
cardeal não dialoga com Kirchner há mais de dois anos.
"Nem Kirchner nem Borgoglio dão entrevistas aos jornalistas. Os dois são peronistas.
Agem de maneira semelhante.
Kirchner faz um uso político do
catolicismo. E Bergoglio faz um
uso eclesiástico da política",
analisa o sociólogo Fortunato
Mallimaci, da Universidade de
Buenos Aires. "E Deus está do
lado de todos. Os juízes, os militares, os torturados e os torturadores, todos são católicos."
Na Argentina, há 11 universidades e 2.543 colégios católicos
-são 1,5 milhão de alunos. Todos os bispos, desde o início da
ditadura militar, recebem salários do Estado, equivalentes à
remuneração dos juízes.
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