|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GERALD THOMAS
Halloween vira "carnaval de protesto"
Nem começou a festa ainda,
mas as fantasias já estão rasgadas.
Nunca houve um Halloween tão
político quanto este nesta cidade.
Na noite de sábado, um dia antes
dos desfiles e dos bailes oficiais, eu
rodei o East e o West Village, Tribeca e o Soho e vi cenas que em
duas décadas e meia jamais havia
visto.
Este Halloween se tornou um
"carnaval de protesto" e está sendo usado pelos democratas, assim
como pelos republicanos, como
propagandas ambulantes.
Muitas vezes a coisa termina em
confusão e, numa cena perto da
Saint Mark's Place (marco da
contracultura das décadas de 60 e
70), houve um tumulto que resultou em pancadaria.
"São esses "bridge and tunnel
people" [pessoal que vem pelo
Holland e Lincoln Tunnel, de Nova Jersey, literalmente, a dez minutos da ilha de Manhattan] nos
provocar, usando máscaras de
George W Bush e nos chamando
de homossexuais."
Muita gente se fantasiava, anteontem, com máscara do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein
e cartazes dizendo "Elect me"
(elejam-me), e outros se vestiam
de mísseis com dizeres "We are
the weapons of mass destruction"
(nós somos as armas de destruição em massa).
Muitos Osamas bin Ladens pelas ruas, muita gente com a máscara de Michael Moore, e muito
republicano (quem diria?) xingando-os, enquanto desfilavam
pela Bleeker Street ou mesmo pela
Union Square.
Foi na verdade a primeira vez
que eu notei que em Nova York
existem seres republicanos e que
não vêm de Nova Jersey. São moradores e nativos.
Bate-boca
Entabulando conversa com um
deles, no prédio onde moro, procurei ouvi-lo: "Vou votar em
Bush porque tenho medo de mudanças. Não tivemos mais nenhum ataque doméstico desde o
11 de Setembro [2001]".
"Mas o que o senhor me diz sobre o equivoco de invadir o Iraque
e a morte de 100 mil civis iraquianos?", perguntei.
"Acho que temos de tomar todas as precauções possíveis..." No
meio de sua resposta, o saguão do
prédio começou a se encher, e as
pessoas, ouvidos atentos, se intrometeram na hora.
"O que ele está dizendo é um absurdo. Tenho vergonha de ser do
mesmo país que você", berrava,
literalmente, uma senhora de uns
60 ou 70 anos, com um back up de
adolescentes vestidos como se estivessem vindo de um concerto de
rock da década em que guerra era
uma palavra do passado e paz não
era somente uma utopia, mas era
a ordem do dia.
Sábado foi somente o ensaio.
Faltava ver o que a festa/protesto
de ontem nos traria. Eu iria para
Williamsburg e para Dumbo, os
bairros de Brooklyn mais, digamos, "artísticos".
Queria ver qual seria a fantasia
deles ou se simplesmente estariam olhando para o skyline de
Manhattan com aquele famoso
efeito de distanciamento brechtiano, chacoalhando as cabeças, o
que, aliás, vem a ser muito saudável numa hora dessas.
Estamos em plena TPM da terça-feira que vem. Vai ser um
deus-nos-acuda.
Gerald Thomas é dramaturgo.
Texto Anterior: O império vota/On the road: Nem todo o Texas está com Bush; pergunte à cidadezinha Kerrville Próximo Texto: Luis Bitencourt: Prendendo o fôlego Índice
|