São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2004

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Nem todo o Texas está com Bush; pergunte à cidadezinha Kerrville


Após governar o Estado durante dois mandatos, presidente é o favorito da maioria da população e já dá como certos seus 34 votos no Colégio Eleitoral Democratas de Kerrville tentaram arregimentar amigos republicanos para divulgar a campanha "Anybody But Bush" (qualquer um menos Bush)


SÉRGIO DÁVILA
EM SAN ANTONIO (TEXAS)

"Don't mess with Texas." O slogan mundialmente conhecido, "não se meta com o Texas", que o habitante do Estado gosta de repetir e o governo local faz o favor de espalhar em placas de sinalização pelas estradas, parece ter sido criado por encomenda para sair da boca de George W. Bush para John Kerry nessas eleições.
Com seus importantes 34 votos no Colégio Eleitoral, atrás neste quesito apenas da Califórnia (que contabiliza 55 votos), e tendo sido governado pelo atual presidente até 2000, o Estado é solidamente republicano.
Pois o senador democrata de Massachusetts não deu ouvidos ao aviso e se meteu com o Texas. Tanto que tem até sua cidade. Bem, talvez não exatamente "sua" cidade, mas Kerrville é um dos lugarejos a oeste de San Antonio que com mais orgulho ostenta um escritório do Partido Democrata. "Não há só republicanos aqui no Texas, não", avisa George Keller, 71, cuja ocupação é ser presidente do Partido Democrata local -algo como ser o único padre numa cidade só de sinagogas.
"Eu diria que nós estamos divididos exatamente ao meio nestas eleições", ilude-se.
Incansável, Keller faz campanha por toda a cidadezinha de 20 mil habitantes, fundada no final do século 19 por um certo James Kerr e qualificada pela revista "Fortune" como um dos dez melhores lugares para se aposentar e pelo "The Wall Street Journal" como uma das 20 cidades com maior renda per capita dos Estados Unidos (ambos os dados cruzados dizem muito sobre o país).

Dubya
Keller pensou até em lançar com amigos republicanos o movimento ABB. "Anybody But Bush", qualquer um menos Bush, explica. "Mesmo os republicanos legítimos, os próprios conservadores, acham que Dubya está um pouco à direita demais."
Explicação: "Dubya" é como os adversários de George W. Bush se referem ao presidente, fazendo um trocadilho em inglês com o som das palavras "dáblio", como ele é chamado pelos amigos e assessores (para diferenciá-lo de seu pai, por sua vez chamado de "41", pois foi o quadragésimo-primeiro presidente dos EUA), e "dúbio". Pois "Dubya" pode estar mal na porção democrata de Kerrville, mas está bem no Irã e em Meca.
Quer dizer, não exatamente o país do golfo Pérsico e a cidade sagrada dos muçulmanos, mas sim as cidades de Mecca e Iraan, ambas no Texas.
Começando pela última, cujo acesso acontece pela I-10 pouco antes de Ozona, onde o herói David Crockett tem museu, estátua e festival anual: talvez esta seja a primeira cidade batizada por concurso, vencido por Ira e Ann Yates em 1926 -Ira + Ann = Iraan. São 1.238 almas, a maioria republicana. O mesmo acontece em Mecca: todos os seis votam em Bush. Sim, seis habitantes, segundo o Censo de 2000.
Os nomes orientais trazem à tona na conversa com George Keller o assunto novo vídeo de Osama bin Laden. "Vai acabar prejudicando Dubya, mais do que o ajudando. Prejudicando porque é um lembrete vivo de que o homem não conseguiu pegar o principal terrorista, conforme prometeu. Se ajudar, ajuda pouco, instilando medo nas pessoas, que já estão aterrorizadas", diz o democrata de Kerrville.
Uma última ironia rodoviária: a poucos quilômetros de Kerrville se encontra a cidadezinha de Welfare, palavra que tem como um dos sinônimos em inglês "assistência social", justamente o ponto do programa de John Kerry mais atacado por George W. Bush -segundo o presidente, "o senador ultraliberal de Massachusetts vai quebrar o Estado com seu programa populista". Está tudo aqui, nos mapas e nos desvios da Interstate 10.
De volta à estrada, a caminho da vizinha e histórica San Antonio, outra ironia. A cada espaço público para recreação, uma placa traz a seguinte frase, aplicada sobre o mapa do Texas: "DWI -You Can't Afford It". A sigla é para a expressão "Driving While Intoxicated" e quer dizer "Dirigir Intoxicado -Você Não pode se Dar ao Luxo". Pois Bush pôde. Segundo veio a público durante a campanha de 2000, o republicano foi preso por dirigir embriagado em 1976 em Kennebunkport, no Maine, e liberado a seguir, depois de pagar US$ 150. Na época da eleição, o então candidato admitiu o fato e se desculpou.

San Antonio
No meio do caminho entre o Novo México e a Louisiana está nosso destino, San Antonio, palco da batalha do Álamo, conforme me informa meu HAL rodoviário, o programa de navegação por satélite Never Lost.
O modelo que tenho no carro é o Magellan, batizado em homenagem a Ferdinand Magellan, como os norte-americanos e britânicos se referem ao navegador português Fernão de Magalhães (1480-1521), o primeiro a completar uma volta ao redor do mundo. Por aproximação, batizarei o aparelho de "Magali". É a mais nova passageira.
E tem uma mosca que nos acompanha no interior do carro desde Phoenix, Arizona, 1.600 quilômetros atrás. Ainda não tem nome. O próximo destino da trupe toda: o sul profundo. Depois, e por fim, a Flórida.


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