São Paulo, terça-feira, 01 de novembro de 2005

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HISTÓRIA

Agência alterou dados cruciais a respeito de incidente que precipitou ação militar ampla dos EUA, revela historiador

Pretexto do Vietnã foi forjado, diz pesquisa

SCOTT SHANE
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

A Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA) mantém em segredo desde 2001 a descoberta, feita por um historiador da agência, de que agentes da NSA distorceram dados críticos durante o incidente do golfo de Tonkin, que ajudou a precipitar a Guerra do Vietnã. A informação é de duas pessoas familiarizadas com o trabalho do historiador. No conflito, ocorrido entre 1957 e 1975, morreram 58.226 americanos e mais de 1 milhão de vietnamitas.
A conclusão do historiador representa a primeira acusação séria de que as interceptações de comunicações feitas pela agência teriam sido falsificadas de modo a dar crédito à idéia de que navios norte-vietnamitas atacaram destróieres americanos em 4 de agosto de 1964, dois dias após um choque anterior. Nos últimos anos, a maioria dos historiadores concluiu que não ocorreu o segundo ataque. Mas eles supuseram que as interceptações feitas pela NSA foram mal interpretadas, e não modificadas propositalmente.
A pesquisa conduzida pelo historiador do NSA Robert J. Hanyok foi apresentada com detalhes há quatro anos num artigo publicado internamente pela agência e que continua interditado para consultas externas, em parte porque os responsáveis pela agência temem que a divulgação possa motivar comparações incômodas com dados falhos usados para justificar a Guerra do Iraque, segundo um funcionário da inteligência familiarizado com o tema.
O historiador independente Matthew M. Aid, que discutiu a pesquisa de Hanyok sobre o golfo de Tonkin com atuais e antigos agentes da NSA e da CIA (a agência de inteligência dos EUA) que a leram, disse que resolveu tornar pública a descoberta porque acha que ela deveria ter sido divulgada já há muito tempo.
"Este material é relevante para as discussões que, como americanos, temos travado sobre a Guerra do Iraque e a reforma dos serviços de inteligência", disse Aid.
A descrição que ele fez da conclusão de Robert Hanyok foi confirmada por um funcionário de inteligência, que falou sob a condição de anonimato, já que o acesso à pesquisa segue interditado.
Ambos disseram que Hanyok acreditou que a falha inicial na interpretação das comunicações norte-vietnamitas interceptadas foi provavelmente um engano honesto. Mas, após meses de trabalho de detetive feito nos arquivos da NSA, o historiador concluiu que funcionários de escalão médio da agência descobriram o erro quase imediatamente, mas o acobertaram e falsificaram documentos para que parecessem constituir provas de um ataque.
O presidente Lyndon B. Johnson citou o incidente de 4 de agosto para convencer o Congresso, em 1964, a autorizar a ação militar ampla no Vietnã, apesar das dúvidas que surgiram quase imediatamente em torno do ataque.
Indagado sobre a pesquisa de Robert Hanyok, um representante da NSA disse que a agência pretende levar o material a público no final de novembro.
Dois historiadores que já escreveram extensamente sobre o episódio do golfo de Tonkin, Edwin E. Moise, da Universidade Clemson, e John Prados, do Arquivo Nacional de Segurança, em Washington, disseram não ter conhecimento do trabalho de Hanyok, mas afirmaram que suas descobertas seriam intrigantes.
"A idéia de que teria sido cometido um logro proposital pela NSA me surpreende", disse Moise. "Mas eu me surpreendo com freqüência." Segundo Prados, se a conclusão de Hanyok for correta, "isso intensifica o aspecto trágico da Guerra do Vietnã". Além disso, "seria mais uma prova de que as informações dos serviços de inteligência, tão freqüentemente tratadas como o Santo Graal, muitas vezes revelam não ser nada disso -como aconteceu no Iraque".


Tradução de Clara Allain

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