São Paulo, terça-feira, 02 de janeiro de 2007

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Sunitas protestam por vídeo de Saddam

Cenas do enforcamento revelam humilhação; presos sunitas se rebelam, e líderes da comunidade culpam americanos

Vazamento das imagens na internet acirra tensões no Iraque; governo fecha TV pró-sunita acusada de "incitar o sectarismo"


DA REDAÇÃO

O enforcamento de Saddam Hussein poderia ter sido o cumprimento de uma decisão judicial, mesmo contestável. Mas se tornou para os sunitas uma nova prova política da opressão que sofrem da maioria xiita do governo iraquiano.
"Claro, ele foi um ditador, mas foi morto por um esquadrão da morte", disse ao "New York Times" uma não identificada sunita de Bagdá.
Essa e outras reações foram provocadas pelo vídeo de dois minutos, em que Saddam Hussein, pouco antes de ser enforcado, é verbalmente agredido por guardas e carrascos xiitas.
O registro, feito por celulares, indica ofensas verbais ao ditador e demonstra que o episódio teve pouca dignidade.
Com isso, dizem analistas, a execução de um déspota sangüinário, em lugar de ser vista como a virada definitiva de uma página para a pacificação do país, tornou-se combustível para as tensões sectárias.
O Conselho dos Clérigos Sunitas divulgou ontem nota em que culpa os Estados Unidos pela execução e exorta os iraquianos a "frustrarem os planos" das forças estrangeiras.
"Foi um ato eminentemente político" e "uma provocação aos sunitas", diz o texto.

Amotinamento
Cerca de 300 prisioneiros sunitas de uma prisão nas imediações de Mossul se amotinaram, ao serem ontem informados por familiares da execução de sábado. Suspeitos de integrarem a insurgência, destruíram suas células, queimaram colchões e quebraram móveis. Ao menos sete guardas e três prisioneiros ficaram feridos. Segundo familiares ouvidos pela Reuters, uma pessoa foi morta.
As tensões que o filmete gerou levaram o primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki a determinar abertura de inquérito sobre o vazamento.
O "New York Times" comenta que "o enforcamento foi precipitado e deixou de lado as normas com que deveria ocorrer. Os policiais encarregados de manter a ordem [ao redor da forca] passaram a gritar palavras das milícias xiitas". "Sempre falamos dos crimes de Saddam, mas estamos nos comportando da mesma forma", disse Alaa Makki, político sunita.
As milícias xiitas são suspeitas de atuarem com o apoio de ministros do governo. Os Estados Unidos relançaram o apelo à reconciliação, mas "não há nenhuma razão para que isso venha a acontecer", disse ao jornal americano um político sunita não identificado.
As circunstâncias que envolveram o enforcamento do ditador se somam à marginalização da antiga elite sunita. A associação de acadêmicos que falava em nome da comunidade está hoje exilada na Síria ou na Jordânia. Há um único sunita entre os 50 vereadores da Câmara Municipal de Bagdá.
A tensão poderia ser evitada caso o Ministério da Justiça mantivesse para o enforcamento um cerimonial de fria eqüidistância. O episódio, no entanto, transformou-se em ato explícito do ódio xiita. O próprio vazamento das imagens demonstra malícia partidária.
A revista "Newsweek" entrevistou Ali al-Massedy, encarregado pelo primeiro-ministro Maliki de registrar a cena. Ele disse ter feito um vídeo de 15 minutos e entregue imediatamente a fita ao chefe-de-gabinete do premiê.
Mas o que deveria ter sido uma operação controlada, para a divulgação eventual de alguns de seus trechos, tornou-se um ato público, em razão da internet e dos celulares aptos a captar imagens. O relato sobre Massedy é feito pelo blogueiro americano Michael Roston.

Governo fecha TV
O governo iraquiano determinou ontem o fechamento por prazo indeterminado de uma emissora de televisão pró-sunita, a Sharkiya, por "incitar o sectarismo" religioso.
O canal é de propriedade de um sunita radicado em Londres, e seus estúdios funcionam no vizinho emirado de Dubai.
O porta-voz do Ministério do Interior, Abdul Karim Khalaf, disse que a Sharkiya havia sido advertida por supostamente incitar ao confronto entre facções islâmicas.
Indagado se o fechamento tinha relação com a divulgação de cenas do enforcamento de Saddam, Khalaf disse que "se nos últimos três dias vocês assistissem aquele canal, vocês veriam que ele está exortando as pessoas à violência e aumentando a tensão sectária".
Em novembro, quando Saddam foi condenado à morte, o governo tirou duas emissoras pró-sunitas do ar. A Al Jazeera está proibida, enquanto sua rival, a Al Arabiya, teve sua sucursal de Bagdá fechada por um mês em setembro.


Com agências internacionais

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