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CIÊNCIA REPLICANTE
Chefe da equipe que criou Dolly fala da `velhice' da ovelha e diz que tentará duplicar porco e boi
`Não sabemos se é possível replicar homens'
LUCIA MARTINS
de Londres
VANESSA DE SÁ
VINICIUS TORRES FREIRE
da Reportagem Local
Depois de clonar a ovelha Dolly,
o próximo passo do Instituto Roslin, de Edimburgo, na Escócia, será repetir o experimento com bois
e porcos, diz Grahame Bulfield,
55, diretor do instituto escocês e
chefe da equipe que fez a pesquisa.
``Não sabemos se a técnica vai
funcionar em todos os mamíferos
ou com outras células, que não as
das glândulas mamárias. Por isso,
vamos começar a testar.''
Ele nega que o instituto planeje
clonar seres humanos e diz que,
como detentor da patente da técnica, não vai ceder os direitos para
ninguém com esse objetivo.
``Até onde sabemos não há razões médicas que justifiquem o
uso da técnica em humanos. Além
disso, esse tipo de experiência é
ilegal no Reino Unido.''
A seguir, leia trechos da entrevista de Bulfield à Folha.
Folha - Dolly é um bebê ``velho''?
Vai morrer mais cedo do que outras ovelhas? Sua células se originaram de uma célula de uma adulta, com material genético mais velho. Então, as células de Dolly são
mais velhas também?
Grahame Bulfield - O núcleo da
célula que gerou Dolly tinha seis
anos, e ela tem sete meses de vida.
Logo, ela tem seis anos e sete meses, mas é difícil precisar. Hoje, ela
parece normal. Mas ainda não sabemos o que vai acontecer.
Na medida em que ela ficar mais
velha vamos ser capazes de estudá-la melhor. Como usamos uma
célula somática (todas os tipos de
células que não são sexuais), ela
pode ter mais tendência a se deteriorar mais rápido. Mas ainda não
sabemos. Não podemos dizer se
Dolly é um bebê velho ou não.
Folha - As células mamárias são
somáticas, e uma mutação dessas
células não é herdada geneticamente. Então, uma mutação no organismo da mãe de Dolly pode ter
sido transferida para Dolly?
Bulfield - Se a célula tiver tido
alguma mutação, vai ser transferida. Mas no momento não observamos nada. Não pretendemos estudar isso porque, além de ser muito
difícil, pretendemos passar a
maior parte do tempo estudando
as mudanças causadas pelo envelhecimento em Dolly.
O que é surpreendente na nossa
pesquisa é que ela mudou a crença
geral. Todos sempre acreditaram
que uma vez que as células fossem
``desligadas'' não podiam mais ser
``religadas''. O que foi descoberto
na pesquisa é que, se você retirar o
núcleo de uma célula mamária
``dormindo'' no tempo certo você
pode mudar essa célula e ela pode
ser religada a outra. Isso se chama
``reprogramar''.
As células precisam ser ``desligadas'' para poderem ser encaixadas posteriormente, como foi feito
no caso de Dolly. Se elas não são
colocadas para ``dormir'', as células continuam o seu ciclo de vida.
Elas tendem a se dividir para criar
novas células -nessa situação elas
não podem ser remontadas.
E quando você coloca esse núcleo de volta em um embrião, ele
começa a funcionar de novo. E isso
é contra todas as leis da biologia.
As leis sempre disseram que, uma
vez que o núcleo se especializa, ele
não pode voltar a ser um embrião.
As células especializadas são as
que compõem as diferentes partes
do corpo humano e têm funções
específicas. Todas elas são originadas de uma única célula embrionária, capaz de se dividir para formar o organismo. Nós mostramos
que esse núcleo pode voltar a funcionar como um embrião, se você
usar o núcleo no estágio correto.
Folha - Por que vocês não fizeram a experiência com o material
de apenas uma ovelha -tanto o
óvulo como a célula mamária? Por
algum problema técnico?
Bulfield - A doadora do núcleo
genético era branca e grande e o
óvulo veio de uma ovelha pequeno
e de cara preta. Se o clonado tivesse cara preta, saberíamos rapidamente que tínhamos errado. Não
há nenhum problema em fazer
com apenas um animal, foi apenas
mais conveniente.
Folha - O artigo diz que ainda
não estão claros os mecanismos de
funcionamento da reprogramação
da célula e que são necessárias
mais pesquisas para definir o momento exato de transferência do
núcleo de uma célula para a ``hospedeira''. Esses seriam os problemas para fazer clonagem humana?
Bulfield - Deixa eu te dizer o
que vamos fazer agora para depois
comentar clonagem humana. Não
sabemos se a técnica vai funcionar
em todos os mamíferos ou com
outras células que não mamárias.
Por isso, vamos começar a testar.
Primeiro, veremos se isso funciona com outros tipos de células.
Depois, vamos tentar aplicar em
porcos e bois. Até onde sabemos
não há razões médicas que justifiquem o uso da técnica em humanos. Além disso, esse tipo de experiência é ilegal no Reino Unido.
Por isso, não vamos permitir que
ninguém, em parte alguma do
mundo, use a técnica para fazer
teste em humanos.
Folha - Há outros institutos fazendo pesquisas semelhantes?
Bulfield - Existem cerca de sete
ou oito no mundo trabalhando
nisso. A maioria está tentando fazer clones de embriões a partir de
células totalmente indiferenciadas. Até onde nós sabemos, somos
o único laboratório que usou células diferenciadas.
Usamos uma abordagem mais
correta, mas acho que, dentro de
um ou dois anos, esse resultado
seria atingido por qualquer um
desses institutos.
Folha - Qual são os benefícios da
clonagem de animais?
Bulfield - Há dois grupos de
uso: pesquisa médica e criação de
animais. Em pesquisa médica, podemos, por exemplo, estudar mais
e criar, modificando os genes das
células clonadas, tecidos e órgãos
em animais mais apropriados para
serem doados para o humanos.
Em criação de animais, podemos clonar um vaca considerada
grande produtora de leite, por
exemplo. Mas tudo isso tem de ser
pesquisado e com cuidado, para
evitar que um animal com uma
doença não detectada seja clonado. Além disso, você não poderia
fazer isso com todos os animais.
Teria de deixar uma parte da população de animais se reproduzirem normalmente, que continuariam fazendo a seleção natural.
Folha - Quem financia o Instituto
Roslin? E quanto vocês gastaram
na pesquisa?
Bulfield - É difícil calcular
quanto foi gasto e prefiro não chutar número algum. A pesquisa
com a Dolly faz parte de um longo
trabalho. O instituto é financiado
em parte pelos ministérios da
Ciência e da Agricultura (54%), e o
resto vem de contratos com empresas privadas, instituições, da
União Européia etc.
Folha - O artigo da ``Nature'' diz
que não há se pode excluir a possibilidade de haver células matrizes
indiferenciadas misturadas às células mamárias. Isto é, pode ter sido usada uma célula adulta mais
fácil de ser clonada, diferente da
maioria das outras células adultas.
Isso não significa que não se pode
excluir a possibilidade de Dolly ter
nascido de uma dessas células,
neste caso indiferenciada?
Bulfield - É verdade que, por
causa da gravidez da ovelha da
qual retiramos a ``célula-mãe'' de
Dolly, junto com as células mamárias há células matrizes. Essas células matrizes dão origem, no organismo desenvolvido, a certos
conjuntos de células do corpo.
Mas uma célula matriz em uma célula mamária é diferenciada porque ela é uma matriz da célula mamária e não do embrião.
Ela são células que morrem rápido e, na verdade, muito diferenciadas. Não importa muito se elas
são diferenciadas ou não, se conseguirmos pegá-las das células
mamárias e reprogramá-las.
Folha - Mas como é feita essa
``reprogramação''? Como essa nova célula, que era adulta e especializada, é ativada para funcionar
como um embrião?
Bulfield - Há uma ano, nós publicamos um artigo na ``Nature'',
resultado de um estudo em que
nós transferimos núcleos de células embrionárias para embriões. E
tentamos todas as maneiras possíveis para tornar esse processo
mais eficiente. Temperaturas diferentes, tempos diferentes, tudo isso para ter certeza que tanto a célula doadora quanto a ``hospedeira'' estavam hibernando. Foi baseado nessa experiência que fizemos as experiências com as células
mamárias.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
da Reportagem Local
Qual a diferença entre um clone e um gêmeo idêntico?
Harry Giaffin, diretor-assistente do Instituto Roslin, que
criou Dolly, diz que não há diferenças. Gêmeos univitelinos seriam, na verdade, clones, pois
são formados exatamente a partir da mesma célula, a qual em
certo momento dá origem a duas
células embrionárias idênticas.
Gêmeos bivitelinos, diferentes,
são resultado da fecundação de
dois óvulos diferentes por dois
espermatozóides diferentes.
O geneticista Fernando Reinach, professor-titular do Instituto de Química da Universidade
de São Paulo, diz que há uma pequena diferença entre Dolly e a
ovelha que cedeu o núcleo da célula mamária para criá-la.
Segundo Reinach, nem todo o
material genético de Dolly veio
dessa célula. O núcleo contém o
DNA, que define as características de um indivíduo. Mas há um
tipo de DNA também fora do núcleo, o DNA mitocondrial, que
fica no citoplasma da célula
-entre a membrana (a ``casca
da célula'') e o núcleo.
A membrana e o citoplasma, e
portanto o DNA mitocondrial,
vieram de outra ovelha, a que
doou o óvulo. Esse DNA determina características celulares
importantes, mas não perceptíveis exteriormente. Para Reinach, portanto, as características
de Dolly seriam resultado de
uma grande parte do material
genético de uma ovelha, e de
uma pequena parcela de outra.
Dolly não é ``gêmea'' de sua mãe.
É possível fazer um clone de
um animal morto?
Harry Giaffin, do Instituto
Roslin, diz que não. Para clonar,
seria necessário que o núcleo da
célula estivesse intacto e, após a
morte, ele se deteriora rapidamente. Existe uma possibilidade
teórica de fazer cópias a partir
das células retiradas de um organismo ainda vivo e estocadas.
Segundo Fernando Reinach,
existem estocadas, por exemplo,
linhagens de células cancerosas
de uma mulher que morreu há 50
anos. As células são colocadas
em cultura (``um molho bioquímico'') e depois congeladas. Essas células podem ``voltar à vida'', mas não se sabe se estariam
em condições perfeitas.
Uma tentativa de fazer um clone a partir dessas células poderia
não funcionar, o que só é possível de se verificar na prática.
Se fosse feito um clone perfeito
de uma pessoa, as duas seriam
absolutamente idênticas física e
psicologicamente?
É quase impossível. Mesmo a
aparência física poderia ser ligeiramente diferente, como no caso
de gêmeos univitelinos (gerados
a partir de uma única célula).
As características originais de
um indivíduo são determinadas
por seus genes, herdados dos
pais, ou de uma célula clonada.
Isto é, o seu genótipo. Mas as características observáveis de um
indivíduo, o seu fenótipo, dependem da interação de seus genes com o ambiente em que vive.
Isso quer dizer que o ambiente
pode ajudar a determinar algumas características físicas: um
gêmeo, ou um clone, podem ter
seus genes alterados por mutações, causadas pelo ambiente.
Clones têm as sensações e memórias do indivíduo copiado?
Absolutamente não. As memórias são arquivadas no cérebro
de um indivíduo desenvolvido e
elas não afetam os genes. Logo as
características ligadas à memória, emoção e sensação não podem ser transmitidas para os filhos ou para os clones.
Os clones são férteis?
Teoricamente não existem motivos para acreditar que não.
Mas, como ainda não se conhecem adultos gerados por células
adultas, pode ser que ocorra algum problema. Teoricamente,
as células clonadas de um indivíduo adulto também são ``velhas'', o que talvez pudesse causar algum problema na capacidade reprodutiva do clone.
A ovelha Dolly tem pai?
No caso do clone Dolly não há
um pai biológico. Não houve reprodução sexual, que funde as
células sexuais masculinas e femininas para formar um novo
ser vivo. Dolly foi criada com
parte de uma célula mamária,
que lhe forneceu quase todo os
genes, e com parte de um óvulo
de outra ovelha adulta. Na verdade, ela têm duas ``mães-irmãs''. Se o óvulo e o núcleo da
célula mamária tivessem vindo
de só uma ovelha, Dolly teria
apenas uma ``mãe-irmã gêmea''.
É possível fazer clones de machos e de fêmeas?
Em termos. Poderia ser utilizado o núcleo de uma célula masculina, mas seria preciso encaixá-lo num óvulo, célula feminina, para que o novo conjunto se
desenvolvesse em um embrião.
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