São Paulo, domingo, 2 de março de 1997.

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CLONAGEM 3
Cadela Laika, que foi lançada ao espaço em 1957 pela ex-URSS, é o bicho mais famoso usado pela ciência
Animais dão a vida em pesquisa científica

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

A ovelha clonada Dolly é um raro exemplo de um animal de laboratório que ganha seus 15 minutos de fama sem precisar ter entrado em órbita para isso. Até hoje, o animal mais famoso da ciência ainda é a cadela espacial Laika. Cachorrinhas em todo o mundo continuam sendo batizadas com o nome da cosmocadela soviética.
A corrida espacial começou em 4 de outubro de 1957, quando os soviéticos colocaram em órbita da Terra o primeiro satélite artificial, Sputnik 1, uma pequena esfera de 58 cm de diâmetro e 83,6 kg.
Laika foi ao espaço a bordo já do segundo satélite, o Sputnik 2, em 3 de novembro de 1957. Foi o primeiro ser vivo colocado em órbita, e o primeiro mártir da corrida espacial, incinerada ao reentrar na atmosfera depois de dar seis voltas em torno da Terra.
Esse é o destino da maioria dos animais de laboratório, mesmo de alguns famosos: dar a vida pela ciência.
Ser o primeiro é fundamental. A segunda ovelha clonada depois de Dolly dificilmente será lembrada.
Quem já ouviu falar de Gordo, um macaquinho americano que foi ao espaço -mas sem entrar em órbita- em 13 de dezembro de 1958?
Também menos conhecido que Laika, apesar de ser bem mais próximo evolutivamente do homem, é o chimpanzé Ham. Em 31 de janeiro de 1961, ele foi ao espaço em uma cápsula do projeto Mercury, e voltou vivo.
O primeiro ser humano em órbita, em 12 de abril de 1961, foi o soviético Iuri Gagárin, a bordo de uma nave Vostok, o que contribuiu para diminuir o impacto das viagens de bichos ao espaço.
Apesar disso, tartarugas, moscas, ratos ou mesmo medusas já foram ao espaço, em cápsulas soviéticas, americanas, em estações espaciais como a russa Mir ou nos ônibus espaciais dos EUA.
São a parte mais visível de um esforço de pesquisa que envolve milhões de animais em laboratórios em todo o mundo.
Ratos e camundongos são os mais numerosos. Poucos ganham fama, pouquíssimos têm aposentadoria digna, como um ex-cavalo de corrida que passa seus últimos dias pastando em uma fazenda.
Mesmo quando ganham fama, são raros os ratos com nome próprio. Quando a Universidade Harvard propôs patentear um rato modificado geneticamente, ele foi tratado apenas como o ``rato de Harvard'' pela mídia.
E isso acontece em um país, os EUA, onde existe até uma revista dedicada aos donos de ratos e camundongos como animais de estimação -a ``The Rat and Mouse Gazette'', bimestral.
Animais ``transgênicos'', que receberam material genético adicional tornando-os úteis para a pesquisa, são os mais paparicados nos laboratórios, com comida, higiene e acomodações especiais.
Na enorme indústria biomédica americana, ratos e camundongos transgênicos se tornaram um negócio rentável.
Uma dessas empresas é a DNX, que produz ``roedores de proveta'' desde 1988. Eles se gabam de ter microinjetado em milhares de bichinhos mais de 900 diferentes pacotes de genes. O pesquisador pode levar a eles o DNA contendo os genes de seu interesse, e ``no máximo em 12 semanas'' receberá o rato transgênico de volta.
Outra empresa, a Taconic, também se orgulha de entregar roedores transgênicos aos seus clientes pesquisadores.
O uso e abuso de animais pela ciência criou um movimento contrário de defensores de animais, especialmente forte nos anos 80.
O grupo britânico DBAE -sigla em inglês para Médicos no Reino Unido contra Experimentos com Animais- estima que só nesse país cerca de 3 milhões de animais são usados por ano em pesquisa biomédica.
Essa verdadeira cruzada contra o uso de animais de laboratório dos anos 80 serviu para diminuir os abusos e criar legislação para impedir a crueldade contra eles. Grande parte dos protestos tinha tom sentimental, do tipo ``cuidado, isso pode acontecer com seu animal de estimação''.
O movimento criou algumas situações irônicas. Um dos resultados foi a necessidade de maior limpeza nas acomodações dos bichos. Essa exigência, razoável para cães e gatos, criou problemas para um pesquisador de morcegos.
Por algum motivo, esses bichos gostavam de viver em um ambiente repleto de fezes. Toda vez que era limpo, apareciam morcegos mortos, até os inspetores serem convencidos pelo pesquisador que os morcegos preferiam viver daquele jeito.

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