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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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IMAGEM DOS EUA

Política unilateralista do presidente faz crescer manifestações públicas contra os EUA no país e no mundo

Bush acirra antiamericanismo no Brasil

MARIA BRANT
DA REDAÇÃO

Porto Alegre, 23 de janeiro: manifestantes na marcha de abertura do 3º Fórum Social Mundial gritam: "Morram, morram, ianques assassinos". No dia seguinte, a platéia vibra quando, em uma conferência na capital gaúcha, o escritor paquistanês Tariq Ali aventa a possibilidade de os árabes de todo o mundo iniciarem uma Intifada mundial contra o mundo ocidental, representado pelos EUA.
São Paulo, 15 de fevereiro: manifestantes queimam a bandeira dos EUA e cantam "Bush é bom companheiro, ninguém pode negar, senão ele manda matar". Três dias depois, um muro diante do Consulado dos EUA em São Paulo é pichado com os dizeres: "Nada de guerra no Iraque".
De acordo com uma reportagem publicada no jornal "The Washington Post", embaixadas americanas no mundo inteiro teriam enviado relatórios ao governo alertando para um crescimento do antiamericanismo no mundo. Em muitos lugares, segundo o diário, o presidente dos EUA, George W. Bush, estaria sendo visto como uma ameaça maior à estabilidade mundial que o ditador iraquiano, Saddam Hussein.
Na semana anterior, o "The New York Times" publicara texto com relatos de agressões e hostilidades sofridas por americanos morando em países como Egito, Indonésia, Paquistão e até Alemanha. Segundo o jornal, "conforme a possibilidade de uma guerra cresce, aumenta o antiamericanismo nos jornais, ruas e cafés de cidades estrangeiras".
O Brasil não consta da lista do "New York Times", mas, segundo acadêmicos brasileiros e cidadãos americanos morando no Brasil ouvidos pela Folha, também aqui o sentimento de oposição aos EUA -após um auge nos anos 60 e 70 e um recuo nos anos 90 e, depois, após o 11 de Setembro- teria sofrido um recrudescimento nos últimos meses. A principal causa seria o estilo de governo unilateralista e polarizador de governo de Bush, que, desde que assumiu a Presidência, em 2001, toma para si a tarefa de dividir o mundo entre o bem e o mal.
Segundo o especialista em história das idéias Jorge Grespan, 43, professor de história da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, a atual onda de antiamericanismo tem raízes mais antigas do que a atual política externa do governo Bush, mas foi acirrada por ela.
"Nos anos 90, grande parte da população não sentia motivos para ter raiva dos americanos. Os anos Clinton (presidente de 1993 a 2001) foram caracterizados por uma expansão econômica em que havia uma integração mais tranquila entre os países", afirma.
O fim dos anos 90, diz Grespan, viu o surgimento dos grupos antiglobalização. "As crises econômicas asiática, russa e brasileira -a qual veio acompanhada da desvalorização do Real- destruíram o sonho da globalização. Isso, aliado à atitude belicosa e arrogante de Bush, provocou um aumento do sentimento antiamericano."
Emir Sader, 59, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ e membro do Conselho Internacional do Fórum Social Mundial, afirma: "O grande responsável por essa polarização foi Bush, ele ajudou a politizar o movimento de oposição aos EUA".
Mas, apesar de terem sentido "um pouquinho" de aumento na oposição ao governo americano no Brasil, afirma Patrick del Vecchio, 53, diretor-interino de Assuntos Políticos da Embaixada dos EUA no país, as missões diplomáticas americanas não sentiram necessidade de reforçar sua segurança nos últimos meses.
"Sempre houve no Brasil um movimento contra as políticas americanas", afirma. "Mas, quase sem exceção, não há violência."
É preciso ressaltar que, por parte de todos os entrevistados, há resistência em usar o termo antiamericanismo, já que ele pode significar desde uma oposição conceitual às políticas do governo até um ódio generalizado contra tudo o que vem dos EUA e que não leva em conta o fato de que, também entre americanos, há aqueles que vêem com um olhar crítico as atitudes de Washington.
Segundo Sader, por exemplo, o que move as manifestações não é o antimericanismo, mas o "antiimperialismo". "Não há antiamericanismo, mas uma oposição à política imperial dos EUA", afirma. "Ninguém é contra a cultura americana ou contra os movimentos sociais americanos."
Grespan atenta para outra distinção. "Há dois tipos de produto cultural americano. Há a Coca-Cola e o McDonald's, por exemplo, que são rejeitados como o lixo cultural dos EUA, mas também há o jazz e os filmes independentes, percebidos como a alta cultura americana, à qual não se impõem restrições."
Sader, que foi o mediador do debate em que Tariq Ali falou durante o 3º Fórum Social Mundial, rebate a afirmação de que muitos dos presentes nas manifestações contra a guerra não pareciam fazer questão de distinguir entre as posições do governo dos EUA e os americanos que se opõem a ela enfatizando outro momento do evento, em que a pacifista americana Medea Benjamin foi aplaudida de pé pela platéia.


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