São Paulo, quarta-feira, 02 de março de 2005

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VEIAS ABERTAS

Tabaré Vázquez diz que Uruguai agora será "artífice de sua própria história"; Chávez vê "time" na América Latina

Posse uruguaia vira ato por autonomia

Antonio Scorza/France Presse
O novo presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, é cumprimentado por Luiz Inácio Lula da Silva durante a posse, em Montevidéu


LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MONTEVIDÉU

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A MONTEVIDÉU

A transmissão da faixa presidencial ontem no Uruguai, de Jorge Batlle (Partido Colorado, centro-direita), para o socialista Tabaré Vázquez (Frente Ampla), foi muito além de uma questão nacional. Os discursos em defesa da soberania e dos direitos humanos permearam a solenidade.
"Ficam para trás os tempos dos governos pretensamente iluminados. O povo uruguaio assume aqui a responsabilidade inalienável de artífice de sua própria história", afirmou Vázquez, em seu discurso de posse. "Não toleraremos interferências externas, dos assuntos do Uruguai cuidam os uruguaios."
"Vou fazer as mudanças impostergáveis, factíveis, progressivas", completou, dizendo se referir às camadas sociais mais pobres.
A posse de Vázquez acabou servindo como pretexto para uma reunião de presidentes de esquerda e centro-esquerda latino-americanos, definida pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, como "um time".
"Vai-se formando uma boa equipe. Antes de ser ideológico, é um grupo de correntes progressistas, que tem de estar em sintonia com as necessidades do povo. É, sem dúvida, uma nova era", disse Chávez.
Os presidentes com origem esquerdista, como o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, e os que têm administrado seus países utilizando-se de políticas econômicas heterodoxas, como o argentino Néstor Kirchner, foram ovacionados pela multidão que foi prestigiar a posse.
A ausência do ditador cubano, Fidel Castro, foi motivo de frustração. As pessoas, aglomeradas na frente do hotel onde ele ficaria, perguntavam, desapontadas: "Ele não vem mesmo?".
O chanceler cubano, Felipe Pérez Roque, ao chegar representando Fidel, foi aplaudido como um estadista.
Em compensação, Chávez, de certa forma substituindo a figura mítica de Fidel, foi recebido como o representante do novo perfil de líder latino-americano.
No seu discurso de posse, Tabaré deixou claro que o núcleo entre os países progressistas é o Mercosul, e que o bloco sul-americano tem de se relacionar com todos os países da América Latina, o que inclui Cuba.
Em 2002, os dois países romperam relações diplomáticas depois que Batlle recomendou que a ONU enviasse técnicos ao país caribenho a fim de ver a situação dos direitos humanos.
Na prática, tratava-se de uma condenação. Ontem, o novo governo uruguaio reatou as relações com Cuba.
"Queremos mais e melhor Mercosul. O Uruguai se relaciona com todos, todos os países da América Latina", frisou Tabaré.

Tupamaro
Um dos pontos altos da posse foi a presença do ex-guerrilheiro José Mujica, líder dos Tupamaros (o principal grupo de guerrilheiros do Uruguai durante o regime militar, de 1973 a 1985), que estava na presidência do Senado até ontem e, por isso, comandou a sessão.
"Os senhores são crescidos, sabem o que fazer", disse Mujica, abrindo mão do protocolo até mesmo no modo de vestir -ele estava sem gravata.
Ao cumprimentar Tabaré, Mujica, que simboliza a resistência histórica ao regime militar e será o ministro da Agricultura do novo governo, afirmou: "Receba meu abraço, velho companheiro. Dou muitas graças à vida por haver chegado até aqui".
Tabaré, em referência ao companheiro de partido e ao momento histórico, afirmou: "A liberdade não garante a felicidade humana, mas é indispensável para a condição humana".


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