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ANÁLISE
Mais longe dos EUA
RUPERT CORNWELL
DO "INDEPENDENT"
Em cerimônias de posse presidenciais, como em casamentos, a
lista de convidados diz tudo. Ontem, em Montevidéu, Tabaré
Vázquez tomou posse como o
primeiro presidente de esquerda
em 180 anos de história do Uruguai. É um fato notável. Mas mais
impressionante é a lista de dignitários estrangeiros presentes.
Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente centro-esquerdista do
Brasil, compareceu. E o mesmo se
aplica a Hugo Chávez, o loquaz
demagogo que lidera a Venezuela, e a Néstor Kirchner, da Argentina. Nenhuma cerimônia poderia simbolizar melhor a lenta deriva da América Latina para longe
da órbita dos EUA.
Até 31 de outubro, o Uruguai
era visto como um dos mais leais
aliados de Washington no continente. Mas naquele dia Vázquez,
oncologista que foi prefeito de
Montevidéu, rompeu o tradicional molde bipartidário da política
uruguaia ao levar a coalizão esquerdista Frente Ampla a uma vitória eleitoral esmagadora.
Hoje, o número de aliados abertos e 100% fiéis de Washington ao
sul de sua fronteira com o México
não ultrapassa um ou dois. El Salvador e Honduras, com certeza,
mas alguém mais? Mesmo o Chile
desafiou a superpotência ao se recusar a apoiar a invasão ao Iraque.
Em lugar da velha ordem, um
bloco de centro-esquerda vem
emergindo. Embora não se oponham necessariamente aos EUA
em todas as questões, nenhum
desses países segue automaticamente a liderança americana.
Nos últimos anos, a abordagem
dos EUA para a América Latina
foi distorcida de maneira irrecuperável pela obsessão de Washington quanto a uma ilha de tamanho modesto, Cuba.
Os EUA também tentaram intimidar Chávez, apoiando um golpe de Estado fracassado contra ele
em 2002 e depois criticando-o
sem parar. Agora Chávez assume
posições cada vez mais audazes.
"Washington planeja minha
morte", diz, usando tática castrista para mobilizar simpatizantes.
No passado, os EUA tentavam
compreender a América Latina.
Na década de 30, o presidente
Franklin Roosevelt compreendeu
que intervenções militares em
Cuba e outras nações do hemisfério eram contraproducentes. Desenvolveu, então, a "política de
boa vizinhança". Duas décadas
mais tarde, John Kennedy proclamou a Aliança para o Progresso.
De lá para cá, porém, a diplomacia americana vem demonstrando enorme ineficiência. Sua obsessão ilógica com relação a Cuba,
a insistência em ver o mundo por
um único prisma cegaram os
EUA quanto às sensibilidades da
região. Durante a Guerra Fria,
Washington apoiou um elenco de
desagradáveis ditadores militares
contra o poder soviético.
Mais tarde, a insistência americana em políticas fiscais rigorosas
terminou por ser apontada como
principal responsável por uma série de crises financeiras.
"Os EUA sofreram derrotas em
todas as frentes", diz Larry Birns,
diretor do Conselho de Assuntos
Hemisféricos, em Washington.
"A América Latina não está mais
circunscrita ao hemisfério que
ocupa, como um conjunto de países no quintal dos EUA."
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