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Gazprom estende tentáculos na vida russa
Papel da estatal do gás, que Medvedev dirigiu, inclui disputa geopolítica, financiamento da cultura e influência na mídia
Empresa é a terceira do mundo; Europa não dribla dependência do gás da Rússia, que controla os mercados da Ásia Central
DO ENVIADO ESPECIAL
Se uma empresa representa o
Kremlin, ela se chama Gazprom, o monopólio estatal de
gás. Vista assim, nada mais natural do que a escolha de seu
presidente, Dmitri Medvedev,
para a posição de candidato
presidencial oficial.
Com valor de Bolsa estimado
em US$ 345 bilhões, a Gazprom é terceira maior empresa
nesse quesito do mundo. E o
Kremlin não esconde: quer o
primeiro lugar.
A Gazprom é uma espécie de
monstro de Frankenstein corporativo: 50,01% de suas ações
são do governo russo, mas ela é
amplamente procurada e valorizada no mercado acionário.
Isso ocorre pelo óbvio: a Rússia
tem as maiores reservas conhecidas de gás natural do mundo,
ou 26,7% do total.
"O caminho da Gazprom
ecoa no da Rússia. Durante os
primeiros anos da era Putin, ela
foi sendo formada, sem grandes
lances externos. Mas agora o
jogo começou", afirma o estrategista-chefe do banco UralSib,
Chris Weafer.
Primeiro, a empresa tratou
de fechar o mercado potencialmente grande da Ásia Central
para si, ficando de fora apenas o
Azerbaijão de um grande acordo comercial.
A área virou uma prioridade
geopolítica para a Rússia, que
viu seus antigos satélites sob
risco de irem para a esfera dos
EUA, já com o pé no Afeganistão, sustenta Ivan Safranchuk,
diretor do Instituto de Segurança e editor da revista "Grande Jogo" -alusão à disputa entre Moscou e Londres pelo domínio asiático no século 19.
Depois, voltou-se para seu
principal mercado, a Europa.
Trava com a Ucrânia uma dura
disputa pelo preço do gás fornecido ao país vizinho, do qual
depende para enviar o produto
para os europeus. A briga, que
levou ao fechamento das torneiras em pleno inverno de
2006, ainda não acabou, mas as
alternativas ao uso dos gasodutos já estão prontas.
Trata-se da dupla de gasodutos Corrente, a Norte e a Sul.
Membro da União Européia, a
Hungria entrou no projeto semana passada, em conjunto
com a beligerante Sérvia, mordida pela independência,
apoiada pelos europeus, da sua
Província de Kosovo. Uma prova de que negócio é negócio.
Reação européia
A Europa tentou reagir,
anunciando um projeto alternativo de rotas até a Ásia Central, o Nabucco, que fracassou.
A sua única opção aos russos é o
Irã, mas dificilmente Bruxelas
irá encarar Washington e quebrar o embargo aos aiatolás.
Enquanto isso, a Gazprom se
consolida e estende seus tentáculos. Ainda que seja considerado pró-Ocidental, ou quase,
Medvedev estava lá quando a
empresa ajudou a quebrar petroleiras e indústrias de gás privadas pertencentes aos chamados oligarcas, os empresários
que enriqueceram às custas do
butim do Estado pós-soviético.
Com isso, o controle aos poucos voltou ao Estado. Mais: a
Gazprom é uma espécie de Petrobras local, envolvida em vários projetos culturais e patrocínios a cineastas e artistas
"amigos". E, por fim, mas não
menos importante, sua divisão
de mídia participou do assalto
contra a única rede de TV privada que desafiava o governo
Putin, a NTV, e a tirou das mãos
de um oligarca. Controla ainda
jornais e revistas.
Na vida real, a política mais
integrada ao Ocidente se fará
ver neste ano, com o previsto
aumento gradativo do gás cobrado no país -e, de Murmansk a Moscou, esse país gelado depende fortemente de poluentes usinas termelétricas
para se aquecer e ter energia.
Hoje o gás doméstico é quatro vezes mais barato do que o
vendido aos europeus, e isso
deve acabar até 2011. O problema é a pressão inflacionária,
que já está sendo sentida nas
ruas no setor de alimentos.
Com o indicador na casa dos
10% ao ano, topo da meta estabelecida pelo Banco Central local, já há expectativa de medidas tradicionais -como aumento de juros. Mas isso poderia afetar o setor imobiliário,
que vive uma irracional bolha
que atinge novos-ricos e classe
média igualmente; o metro
quadrado em Moscou é um dos
mais caros do mundo, com preços médios de US$ 5.000.
Outro problema que espera
Medvedev é a pobreza que afeta, segundo o governo, 15% da
população. Mas o instituto Levada fez pesquisa recente mostrando que mais de 30% dos
russos se consideram pobres
-menos que os 50% de 2000,
quando Putin assumiu, mas
ainda assim um sinal do componente psicológico do país em
relação à distribuição de renda;
é russo o segundo maior exército de bilionários do mundo.
(IGOR GIELOW)
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