São Paulo, domingo, 02 de março de 2008

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Gazprom estende tentáculos na vida russa

Papel da estatal do gás, que Medvedev dirigiu, inclui disputa geopolítica, financiamento da cultura e influência na mídia

Empresa é a terceira do mundo; Europa não dribla dependência do gás da Rússia, que controla os mercados da Ásia Central

DO ENVIADO ESPECIAL

Se uma empresa representa o Kremlin, ela se chama Gazprom, o monopólio estatal de gás. Vista assim, nada mais natural do que a escolha de seu presidente, Dmitri Medvedev, para a posição de candidato presidencial oficial.
Com valor de Bolsa estimado em US$ 345 bilhões, a Gazprom é terceira maior empresa nesse quesito do mundo. E o Kremlin não esconde: quer o primeiro lugar.
A Gazprom é uma espécie de monstro de Frankenstein corporativo: 50,01% de suas ações são do governo russo, mas ela é amplamente procurada e valorizada no mercado acionário. Isso ocorre pelo óbvio: a Rússia tem as maiores reservas conhecidas de gás natural do mundo, ou 26,7% do total.
"O caminho da Gazprom ecoa no da Rússia. Durante os primeiros anos da era Putin, ela foi sendo formada, sem grandes lances externos. Mas agora o jogo começou", afirma o estrategista-chefe do banco UralSib, Chris Weafer.
Primeiro, a empresa tratou de fechar o mercado potencialmente grande da Ásia Central para si, ficando de fora apenas o Azerbaijão de um grande acordo comercial.
A área virou uma prioridade geopolítica para a Rússia, que viu seus antigos satélites sob risco de irem para a esfera dos EUA, já com o pé no Afeganistão, sustenta Ivan Safranchuk, diretor do Instituto de Segurança e editor da revista "Grande Jogo" -alusão à disputa entre Moscou e Londres pelo domínio asiático no século 19.
Depois, voltou-se para seu principal mercado, a Europa. Trava com a Ucrânia uma dura disputa pelo preço do gás fornecido ao país vizinho, do qual depende para enviar o produto para os europeus. A briga, que levou ao fechamento das torneiras em pleno inverno de 2006, ainda não acabou, mas as alternativas ao uso dos gasodutos já estão prontas.
Trata-se da dupla de gasodutos Corrente, a Norte e a Sul. Membro da União Européia, a Hungria entrou no projeto semana passada, em conjunto com a beligerante Sérvia, mordida pela independência, apoiada pelos europeus, da sua Província de Kosovo. Uma prova de que negócio é negócio.

Reação européia
A Europa tentou reagir, anunciando um projeto alternativo de rotas até a Ásia Central, o Nabucco, que fracassou. A sua única opção aos russos é o Irã, mas dificilmente Bruxelas irá encarar Washington e quebrar o embargo aos aiatolás.
Enquanto isso, a Gazprom se consolida e estende seus tentáculos. Ainda que seja considerado pró-Ocidental, ou quase, Medvedev estava lá quando a empresa ajudou a quebrar petroleiras e indústrias de gás privadas pertencentes aos chamados oligarcas, os empresários que enriqueceram às custas do butim do Estado pós-soviético.
Com isso, o controle aos poucos voltou ao Estado. Mais: a Gazprom é uma espécie de Petrobras local, envolvida em vários projetos culturais e patrocínios a cineastas e artistas "amigos". E, por fim, mas não menos importante, sua divisão de mídia participou do assalto contra a única rede de TV privada que desafiava o governo Putin, a NTV, e a tirou das mãos de um oligarca. Controla ainda jornais e revistas.
Na vida real, a política mais integrada ao Ocidente se fará ver neste ano, com o previsto aumento gradativo do gás cobrado no país -e, de Murmansk a Moscou, esse país gelado depende fortemente de poluentes usinas termelétricas para se aquecer e ter energia.
Hoje o gás doméstico é quatro vezes mais barato do que o vendido aos europeus, e isso deve acabar até 2011. O problema é a pressão inflacionária, que já está sendo sentida nas ruas no setor de alimentos.
Com o indicador na casa dos 10% ao ano, topo da meta estabelecida pelo Banco Central local, já há expectativa de medidas tradicionais -como aumento de juros. Mas isso poderia afetar o setor imobiliário, que vive uma irracional bolha que atinge novos-ricos e classe média igualmente; o metro quadrado em Moscou é um dos mais caros do mundo, com preços médios de US$ 5.000.
Outro problema que espera Medvedev é a pobreza que afeta, segundo o governo, 15% da população. Mas o instituto Levada fez pesquisa recente mostrando que mais de 30% dos russos se consideram pobres -menos que os 50% de 2000, quando Putin assumiu, mas ainda assim um sinal do componente psicológico do país em relação à distribuição de renda; é russo o segundo maior exército de bilionários do mundo.
(IGOR GIELOW)

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