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Cúpula da Otan começa hoje em clima de Guerra Fria
Apoio ao ingresso de Ucrânia e Geórgia na aliança militar causa divergências entre europeus e EUA e irrita Moscou
Encontro ocorre na capital da Romênia, que já fez parte da esfera de influência soviética, e será o último sob presidências de Bush e Putin
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A BUCARESTE
As divergências sobre o ritmo e a profundidade com que a
Otan deve se ampliar para o leste dominam a cúpula anual da
aliança militar ocidental, revivendo tensões da Guerra Fria.
Entre os líderes presentes à
reunião, que começa hoje em
Bucareste, estarão o americano
George W. Bush e o russo Vladimir Putin -ambos em sua última participação no encontro
como presidentes.
A Rússia não integra a Otan,
mas participa de um conselho
paralelo à aliança e de suas cúpulas desde o fim da União Soviética, em 1991.
Diplomatas dos 26 países-membros buscavam ontem
uma fórmula que acomodasse
as posições divergentes: de um
lado, os Estados Unidos defendem conceder à Ucrânia e à
Geórgia o status de pré-candidatas; de outro, países europeus como Alemanha e França
consideram o passo prematuro,
enquanto a Rússia ameaça retaliar à chegada da organização
atlântica a suas fronteiras.
Alegando não ser "o momento certo", a Alemanha já sinalizou que não apoiará o desejo
americano de convidar as duas
ex-repúblicas soviéticas para o
plano de adesão (MAP, na sigla
em inglês), um estágio preparatório para a entrada na aliança.
Como as decisões na Otan são
tomadas por consenso, a oposição alemã representa um veto.
Ontem, a França indicou que
está do lado dos alemães.
A Alemanha alega que falta
estabilidade política na Geórgia, com conflitos separatistas e
repressão do Estado à oposição.
No caso da Ucrânia, o que falta
é apoio popular à Otan. Em
uma pesquisa recente, menos
de 20% dos ucranianos se disseram a favor da entrada do
país na aliança.
A sombra de Moscou, entretanto, é visível na postura alemã. Entre os membros mais
importantes da União Européia, a Alemanha foi o país que
mais demonstrou, nos últimos
anos, disposição de levar em
consideração as preocupações
de segurança da Rússia. Berlim
teme que a aproximação prematura de Ucrânia e Geórgia
feche as portas do Kremlin à
colaboração em assuntos delicados, como desarmamento, e
as torneiras do gás que consome -a maior parte dele, russo.
Afeganistão
Não faltarão temas controversos na agenda da cúpula.
Criada em 1949 para fazer frente ao bloco socialista, a aliança
militar se reúne hoje em um
país que já fez parte da esfera de
influência soviética para discutir uma nova ampliação rumo
ao leste. Outro assunto que
ocupará o topo da agenda é o
Afeganistão, onde a Otan tem
cerca de 45 mil soldados. O número é insuficiente, segundo os
EUA, que pressionam os aliados para enviar mais tropas.
Ontem o premiê da França,
François Fillon, disse que o
país poderá enviar "algumas
centenas" de soldados a mais,
para se juntarem aos 1.500 que
já tem no Afeganistão. EUA,
Canadá e Reino Unido têm enfatizado aos aliados a importância de reforçar o contingente para conter o ressurgimento
do Taleban, mas a maioria dos
países esbarra na resistência da
opinião pública e da oposição.
Durante a cúpula de Bucareste, a Otan deverá formalizar
o convite a mais três países,
Croácia, Albânia e Macedônia.
Embora a adesão à Otan de
países do Leste Europeu seja
sempre acompanhada de tensões com a Rússia, um convite à
Ucrânia é visto por Moscou como um desafio explícito a seu
espaço de influência e uma
ameaça ao equilíbrio de forças
na Europa. Alheio às advertências do Kremlin, Bush evitou
meias palavras ontem na escala
que fez na Ucrânia, antes de desembarcar em Bucareste.
"Ajudar a Ucrânia a se mover
rumo à adesão à Otan é do interesse de todo membro da aliança e ajudará a segurança e a liberdade na região", disse o presidente americano em Kiev, ao
lado do presidente ucraniano,
Viktor Yushchenko. "Conversei com os líderes, e eles me garantiram que a Rússia não teria
veto nisso. Espero que eles
mantenham a palavra."
O vice-chanceler da Rússia,
Grigory Karasin, reagiu ao encontro em Kiev afirmando que
a entrada da Ucrânia na Otan
gerará "uma profunda crise"
entre os dois países. Ele não
quis especificar as ações que
Moscou tomaria, mas parlamentares russos sugeriram que
a Rússia pode cancelar o Tratado de Amizade, documento que
demarcou a fronteira com a
Ucrânia após a dissolução da
União Soviética, em 1991.
O secretário-geral da Otan
sugeriu ontem que a saída para
o dilema é uma fórmula que
permita a americanos e alemães cantarem vitória sem dar
a impressão de que o veto russo
funcionou. Apesar de dizer que
a adesão de Ucrânia e Geórgia é
uma "questão de tempo", Jaap
de Hoop Scheffer não descartou um adiamento. Mesmo
com o processo "congelado",
disse, os dois países continuariam sendo vistos como candidatos potenciais.
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