São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004

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Maior dos novatos, Polônia deverá ter dificuldades

DO ENVIADO ESPECIAL A VARSÓVIA

A entrada da Polônia, o maior dos novos membros (38,6 milhões de habitantes), na União Européia trará inúmeras vantagens ao país, mas não será isenta de dificuldades, segundo especialistas, diplomatas e políticos consultados pela Folha.
"A adesão à UE é uma escolha estratégica e fundamental para a Polônia, pois passaremos a participar do processo de tomada de decisões na Europa. Isso permitirá que tenhamos influência sobre toda a UE. A entrada no bloco também é importante porque altera a percepção internacional da Polônia e melhora sua imagem", disse Jaroslaw Pietras, ministro da Integração Européia da Polônia.
"Assim, o mercado financeiro passará a ter mais confiança no país, o que acarretará vantagens econômicas. Será mais seguro investir na Polônia, e poderemos emprestar dinheiro a juros mais baixos. O fim do processo significa a consolidação da transição para a economia de mercado. Ademais, teremos acesso a um mercado bastante competitivo de mais de 450 milhões de consumidores, e nossas empresas poderão tirar benefício das liberdades européias e da queda das barreiras."
"Nossos estudos mostram que, a longo prazo, cresceremos um ou dois pontos percentuais a mais do que se ficássemos fora do bloco. Finalmente, também poderemos tirar vantagem das transferências de fundos da UE. Nos primeiros três anos, receberemos US$ 14 bilhões por ano e pagaremos ao bloco apenas US$ 6,5 bilhões. Ou seja, teremos um saldo positivo de US$ 7,5 bilhões", afirmou Pietras.
Conforme salientou Wlodzimierz Siwinski, ex-reitor da Universidade de Varsóvia, todavia, nem tudo são flores. "Alguns graves problemas poloneses se exacerbarão com a entrada na UE. Por exemplo, o desemprego atual é de cerca de 19% e tem um componente estrutural forte. Trata-se de pessoas que ficaram sem emprego no campo e não são suficientemente qualificadas para buscar uma reinserção no mercado de trabalho", avaliou Siwinski.
"Ora, com a entrada na UE, haverá ainda menos vagas de trabalho no campo, e o número de desempregados tenderá a crescer a curto e médio prazos. Além disso, a pobreza não será erradicada de uma hora para a outra, o que faz que muita gente desconfie da UE e das tão decantadas vantagens que o país poderá tirar dela."
Com efeito, 27,4% da população polonesa ainda vive no campo, e mais de 40% dela tira seu sustento da agricultura. "Comparativamente, as perspectivas não são boas para a população rural polonesa. No Reino Unido, somente por volta de 3% da população depende da agricultura", indicou Anne-Marie Le Gloannec, do Centro Marc Bloch, um instituto de pesquisas franco-alemão.

Tensão política
Embora a Polônia tenha apresentado um nível altíssimo de crescimento econômico no primeiro trimestre de 2004 (quase 6%), após mais de dois anos de morosidade, sua situação política poderá pôr em risco as chances de o país gozar de todas as vantagens de sua adesão à UE.
Há algumas semanas, o ainda premiê da Polônia, Leszek Miller (centro-esquerda), anunciou que renunciaria logo após a entrada da Polônia na UE. Ele deixa seu posto hoje, depois de quase dois anos de escândalos de corrupção que envolvem seu gabinete.
O próprio presidente Alexander Kwasniewski expressou, na terça-feira, preocupação com a instabilidade política do país, dizendo que ele poderá deixar de receber parte dos fundos a que tem direito porque as agências governamentais responsáveis pela distribuição dos recursos ainda não deverão estar aptas a fazê-lo tão cedo.
Funcionários da UE disseram que a Polônia tem de completar rapidamente a criação de uma agência que será responsável pela distribuição dos subsídios agrícolas provenientes da PAC (Política Agrícola Comum européia). Qualquer atraso poderá significar a perda de parte dos US$ 647,4 milhões a que o país tem direito ainda em 2004, o que poderia dar mais munição aos "eurocéticos".
Estes, aliás, deverão vencer as eleições européias que ocorrerão em breve, de acordo com pesquisas. Andrzej Lepper, líder de extrema direita e do Partido da Autodefesa, vem buscando tirar vantagem da insegurança de boa parte da população sobre a UE.
"Muitas pessoas têm mais medo da UE do que esperança nela. Elas se sentem mais fracas e menos competentes que os europeus ocidentais e só vêem as restrições impostas por Bruxelas. O medo do desconhecido é natural, mas os poloneses "eurocéticos" têm certa dose de razão, já que a concorrência será dura", analisou Artur Domoslawski, analista político do jornal "Gazeta Wyborcza".
O "euroceticismo" é, de fato, mais forte no campo, onde as pessoas sabem que as transformações provocadas pela UE serão particularmente dolorosas, e nas regiões que fazem fronteira com a Alemanha. "Na zona rural, a UE significará níveis de desemprego ainda mais altos. Na fronteira, as pessoas temem que os alemães comprem suas propriedades a baixo custo", disse Le Gloannec.
Assim, a Polônia tem de realizar rapidamente os esforços para inserir-se totalmente na UE. Sem eles, a situação socioeconômica do país tardará a melhorar verdadeiramente, o que poderia inflamar os ânimos da parcela empobrecida de sua população, gerando ainda mais instabilidade.
(MÁRCIO SENNE DE MORAES)


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