São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010

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Sobreviventes vivem na pobreza e na sujeira

DO ENVIADO A EL FASHER

É difícil acreditar que a ação das milícias árabes em Darfur seja algo diferente de uma bem orquestrada campanha de extermínio, ao ouvir o relato de Mohammed Adam, 38.
"Eles atacavam em três ondas, em cavalos e dentro de carros. O primeiro grupo levava tudo de dentro das casas. O segundo as queimava. O terceiro atirava nas pessoas", diz Adam, morador do campo de refugiados de Al Salaam, em El Fasher, capital do Estado de Darfur Norte. "Depois, tocavam uma sineta para se reagrupar e começar tudo de novo", lembra.
Há 2,7 milhões de pessoas em 200 campos de refugiados em Darfur. Ali, vivem em absoluta pobreza e sujeira, mas sentem-se relativamente seguras e recebem ocasionalmente atendimento médico e comida. "Aqui, me sinto um pouco mais calmo, mas não totalmente. Os janjaweed às vezes entram, mas não escutamos. O campo é muito grande", diz Taha Mohammed, 25, estudante.
Os refugiados sonham um dia voltar a suas terras, que a essa altura ganharam ares de paraíso perdido. "Na minha vila, eu plantava tomate e frutas. Também tínhamos açúcar e carne. Se um dia ela for reconstruída e houver paz, eu voltarei", diz Abdullah Hesseln, 54, que chegou a ser capturado por três dias por uma mlícia árabe.
"Achei que iriam me matar. Mas preferiram me soltar." Asha Isshag teve o filho de 16 anos, Mugtar, sequestrado dentro de casa, em 2004. "Nunca mais o vi. Tenho certeza de que o mataram", afirma. Mesmo assim, ela voltaria para casa se pudesse. "Perdi tudo, mas gostaria de recomeçar."
Sem garantias de segurança, os refugiados vão ficando. Campos como o de Al Salaam, com 20 mil habitantes, têm hoje jeitão de vilas miseráveis que jamais serão removidas.
Asha Ibrahim, 70, é uma senhora que vende sementes de sorgo no que seria o "mercado" local. Comete uma ilegalidade, já que o alimento, doado pelo Usaid, braço dos EUA para ajuda humanitária, vem com aviso: "não pode ser vendido".
Ali, no entanto, essas regras precisam ser mais flexíveis. "Não posso passar a vida comendo só isso. Preciso vender para comprar outras coisas."
O sorgo, moído e misturado com água, vira um mingau, base da alimentação dos refugiados.
Alguns obtêm empregos temporários em El Fasher e, com os trocados ganhos, compram pedaços de carne de vaca. Handal Abdullah, 60, mantém um "açougue" no local, uma mesa de madeira com carne gordurenta exposta e sob o assédio de moscas. Mas os negócios andam devagar.
"Fica melhor quando as pessoas recebem suas rações da ONU e vêm trocar por carne, mas isso só acontece uma vez por mês."
Um negócio que prospera é a fabricação artesanal de tijolos de barro, ante o miniboom da construção civil provocado pela chegada de agências humanitárias. A escavação desordenada deixa crateras e pode representar um problema ambiental. Mesmo se um dia houver paz, os habitantes de Darfur ainda sentirão por muito tempo os efeitos da guerra. (FZ)

Leis de exceção governam capital de Darfur Norte

www.folha.com.br/101203



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