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Sobreviventes vivem na pobreza e na sujeira
DO ENVIADO A EL FASHER
É difícil acreditar que a ação
das milícias árabes em Darfur
seja algo diferente de uma bem
orquestrada campanha de extermínio, ao ouvir o relato de
Mohammed Adam, 38.
"Eles atacavam em três ondas, em cavalos e dentro de carros. O primeiro grupo levava
tudo de dentro das casas. O segundo as queimava. O terceiro
atirava nas pessoas", diz Adam,
morador do campo de refugiados de Al Salaam, em El Fasher,
capital do Estado de Darfur
Norte. "Depois, tocavam uma
sineta para se reagrupar e começar tudo de novo", lembra.
Há 2,7 milhões de pessoas
em 200 campos de refugiados
em Darfur. Ali, vivem em absoluta pobreza e sujeira, mas sentem-se relativamente seguras e
recebem ocasionalmente atendimento médico e comida.
"Aqui, me sinto um pouco
mais calmo, mas não totalmente. Os janjaweed às vezes entram, mas não escutamos. O
campo é muito grande", diz Taha Mohammed, 25, estudante.
Os refugiados sonham um
dia voltar a suas terras, que a
essa altura ganharam ares de
paraíso perdido. "Na minha vila, eu plantava tomate e frutas.
Também tínhamos açúcar e
carne. Se um dia ela for reconstruída e houver paz, eu voltarei", diz Abdullah Hesseln, 54,
que chegou a ser capturado por
três dias por uma mlícia árabe.
"Achei que iriam me matar.
Mas preferiram me soltar."
Asha Isshag teve o filho de 16
anos, Mugtar, sequestrado dentro de casa, em 2004. "Nunca
mais o vi. Tenho certeza de que
o mataram", afirma. Mesmo assim, ela voltaria para casa se
pudesse. "Perdi tudo, mas gostaria de recomeçar."
Sem garantias de segurança,
os refugiados vão ficando.
Campos como o de Al Salaam,
com 20 mil habitantes, têm hoje jeitão de vilas miseráveis que
jamais serão removidas.
Asha Ibrahim, 70, é uma senhora que vende sementes de
sorgo no que seria o "mercado"
local. Comete uma ilegalidade,
já que o alimento, doado pelo
Usaid, braço dos EUA para ajuda humanitária, vem com aviso:
"não pode ser vendido".
Ali, no entanto, essas regras
precisam ser mais flexíveis.
"Não posso passar a vida comendo só isso. Preciso vender
para comprar outras coisas."
O sorgo, moído e misturado
com água, vira um mingau, base
da alimentação dos refugiados.
Alguns obtêm empregos temporários em El Fasher e, com os
trocados ganhos, compram pedaços de carne de vaca.
Handal Abdullah, 60, mantém um "açougue" no local,
uma mesa de madeira com carne gordurenta exposta e sob o
assédio de moscas. Mas os negócios andam devagar.
"Fica
melhor quando as pessoas recebem suas rações da ONU e
vêm trocar por carne, mas isso
só acontece uma vez por mês."
Um negócio que prospera é a
fabricação artesanal de tijolos
de barro, ante o miniboom da
construção civil provocado pela chegada de agências humanitárias. A escavação desordenada deixa crateras e pode representar um problema ambiental. Mesmo se um dia houver
paz, os habitantes de Darfur
ainda sentirão por muito tempo os efeitos da guerra.
(FZ)
Leis de exceção governam
capital de Darfur Norte
www.folha.com.br/101203
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