São Paulo, segunda, 2 de junho de 1997.



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O VENCEDOR
Após perder a eleição legislativa de 1993 e a presidencial de 1995, partido volta à chefia de governo na França
Jospin comanda 'renascimento' socialista

JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local

Lionel Jospin, 59, é um político pouco carismático. Não transmite a impressão de brilhantismo ou desejo carnal pelo comando. É um homem de gabinete, que prefere reuniões fechadas aos palanques.
Gosta de ouvir jazz, de jogar basquete e assistir velhos westerns. Em literatura, conhece bem os romancistas franceses do século 19. Como "extravagância", possui um Renault 19 conversível.
Dirigente socialista, ex-diplomata e ex-professor de economia na Universidade de Paris, deve, com os resultados eleitorais de ontem, tornar-se primeiro-ministro.
Declarou ao fisco em 1995 uma renda bruta de R$ 9.380 mensais. É o normal para a classe média alta francesa. Deixou à primeira mulher (é divorciado) o apartamento que possuía. Agora, paga aluguel. É hoje casado com Sylviane Agacinski, professora de filosofia e autora de ensaios sobre Kierkegaard.
A volta por cima de Jospin é algo que só uma cartomante poderia anunciar publicamente há poucos meses. Em passado recente, seu atestado de óbito político foi rascunhado ao menos duas vezes.
A primeira delas, em 1993, quando o Partido Socialista, do qual é secretário-geral, perdeu 205 de suas 258 cadeiras na Assembléia Nacional (Câmara dos Deputados). A segunda, dois anos depois, quando disputou a Presidência da República e foi derrotado no segundo turno por Jacques Chirac.
Os socialistas voltam agora ao governo, não tanto porque os franceses deram uma inesperada guinada à esquerda. Foi bem mais porque a direita não baixou o desemprego e não conseguiu maior crescimento econômico.
Amibiguidade
A França sofre os efeitos do ajuste fiscal, necessário -segundo os "eurocratas"- para que em 1999 a União Européia implante uma moeda única. Sobre o tema, no entanto, Jospin e os socialistas mantêm uma posição ambígua.
Querem construir uma "Europa social" (unificação do salário mínimo, aumento conjunto das alíquotas do Imposto de Renda), mas não está claro como financiarão o lado francês desse plano.
A diminuição do déficit público a 3% do PIB, meta para quem quiser trocar a moeda nacional pelo euro, pressupõe arrocho nas políticas sociais, com drástica redução do déficit da previdência.
Indagado no ano passado sobre o euro, Jospin deu uma não-resposta: "Quando chegar o momento, analisaremos essa transição como uma decisão da França."
Intimamente, é bem possível que Jospin continue a sentir pouca afinidade com a chamada construção européia, que traz como subproduto o reconhecimento, pela França, da hegemonia alemã.
É um dos traços do personagem relatado por Hubert Védrine, autor da mais exaustiva (784 páginas) e isenta história dos 14 anos (1981-1995) em que François Mitterrand foi presidente francês.
Jospin recebe no livro apenas nove citações, contra 28 a Pierre Mauroy, 41 a Pierre Bérégovoy ou 91 a Jacques Attali, todos dirigentes socialistas. Tinha uma influência relativamente pequena, dentro de um establishment em que conduziu sua própria ascensão.
Mitterrand foi um homem a seu modo maquiavélico. Tinha prazer em jogar seus aliados uns contra os outros. Jospin foi parcialmente fritado por Laurent Fabius e Michel Rocard, ambos premiados com a nomeação para premiê. Lionel Jospin chegou no máximo a ministro da Educação (1988-1992).
Sobrevivência
Seu grande mérito: conseguiu se sobrepor aos demais caciques do PS e superar uma crise de credibilidade em que seu partido mergulhou a partir de 1993: derrota nas urnas e suicídio do ex-primeiro-ministro Pierre Bérégovoy, acusado de corrupção. Jospin se manteve espartano. Não se envolveu em negociatas ou rumores sobre enriquecimento ilícito.
Nasceu em Meudon, nas imediações de Paris. Ainda estudante, militou contra a guerra colonial da França na Argélia. Formou-se pela ENA (Escola Nacional de Administração), estabelecimento da elite dos servidores públicos.
Torna-se em 1965 diplomata. Abandona a carreira para lecionar. Em 1971, é como militante de base do PS que participa do Congresso de Epinay, que reagrupou pequenos grupos de esquerda sob a liderança de François Mitterrand.
Passa a assessorar o dirigente de seu partido, entra para sua direção nacional, e, em 1977, elege-se vereador em Paris. É eleito deputado quatro anos depois e reeleito, desde então, por um distrito de Paris e a seguir por Toulouse.



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