São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Um mês antes do previsto, líderes iraquianos se sobrepõem à ONU, mas escolhem nomes endossados pelos EUA

Conselho iraquiano nomeia governo interino

DA REDAÇÃO

O Conselho de Governo Iraquiano tomou a dianteira da transição política e nomeou ontem, um mês antes do planejado pelos EUA e pela ONU, o governo que dirigirá o país interinamente do próximo dia 30 até janeiro de 2006, quando devem tomar posse líderes eleitos. A decisão implica na dissolução do grupo, nomeado em julho pelos EUA como órgão consultivo da Autoridade Provisória da Coalizão.
Ressaltando as enormes dificuldades que o novo governo enfrentará, dois atentados mataram ao menos 14 pessoas no norte do país e na capital, acrescentando indícios à previsão da APC de que a violência deve se agravar até que a transição se consolide.
O plano dos EUA -que buscava, com a chancela da ONU, atrair mais países para a reconstrução- era que a nomeação viesse da entidade internacional. Mas o conselho iraquiano, um grupo visto como ilegítimo pela maioria da população, sobrepôs suas indicações para premiê e presidente, ainda que o gabinete seja formado essencialmente por tecnocratas, como sugeriu a ONU.
Para a presidência, um posto cerimonial, o conselho indicou o empresário e líder tribal sunita Ghazi Yawer, 45. Como a maioria de seus futuros colegas, Yawer morou e estudou no Ocidente. O nome preferido pela ONU e por Washington era o de Adnan Pachachi, mas o ex-chanceler recusou o cargo, após ser indicado pelo conselho em um movimento aparentemente pré-estabelecido.

Soberania
Em seu primeiro discurso oficial, Yawer exigiu "soberania total" para os iraquianos quando a APC se dissolver no fim do mês. É uma demanda que se contrapõe à proposta inicial dos EUA de conferir ao país "soberania parcial" (sem comando sobre as Forças Armadas ou poder para criar leis, por exemplo), mas que foi contemplada na revisão da proposta de Washington e Londres à ONU.
O novo documento, obtido pela agência de notícias Reuters, mostra que a coalizão anglo-americana também cedeu, em certa medida, ao apelo dos opositores da guerra -alguns deles com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU- para fixar uma data para o fim da ocupação militar. Na nova versão da proposta de resolução há um parágrafo determinando que o mandato das forças multinacionais "deve expirar com a conclusão do processo político".
Diplomatas na ONU a interpretaram como uma referência à posse do governo eleito iraquiano, esperada para janeiro de 2006. Até lá, as forças permanecerão no país sob comando americano.
O anúncio do governo interino coube ao novo premiê, Iyad Allawi, nomeado na semana passada a partir de uma decisão do conselho endossada pelos EUA e pela ONU. Segundo analistas, o xiita Allawi goza de pouca confiança da população iraquiana, dado seu histórico de serviço ao extinto partido Baath (o mesmo do ex-ditador Saddam Hussein) e, depois, à CIA (serviço secreto dos EUA).
Além de Allawi e Yawer, o gabinete terá dois vice-presidentes, um vice-premiê e 30 ministros (seis dos quais são mulheres), respeitando as divisões étnicas e religiosas no país e conferindo ao governo um pluralismo inédito.
"O mundo e seus vizinhos esperam que vocês garantam segurança e estabilidade para o povo iraquiano, que já sofreu demais", disse o enviado da ONU ao Iraque, Lakhdar Brahimi, cuja missão era montar um governo que obtivesse o máximo de aceitação.
"Foi difícil. Ele teve de ceder para avançar", disse o secretário-geral sobre a tarefa de seu representante. Mas, para Kofi Annan, a ONU "fez exatamente o que foi chamada para fazer", ainda que o processo não tenha sido perfeito.
"Nunca houve a intenção de que a ONU impusesse um governo aos iraquianos. Tínhamos de discutir e, dadas as circunstâncias e os fatores em campo, não é surpreendente que tenhamos uma mistura de gente de dentro e de fora do Conselho de Governo Iraquiano no novo governo."
O premiê britânico, Tony Blair, elogiou a formação do governo interino e disse que a ONU deve adotar rapidamente uma resolução que o legitime. "É importante obtermos uma resolução que endosse o processo e deixe claro que a transferência de soberania para o governo iraquiano é total."

Violência
Uma bomba explodiu em frente a uma base americana em Beiji (norte), matando 11 iraquianos e ferindo outros 22, incluindo dois soldados americanos. Em Bagdá, três pessoas morreram e cerca de 20 foram feridas quando um carro-bomba explodiu em frente a um escritório da União Patriótica do Curdistão, partido alinhado à APC. Meia hora antes da explosão, quase 400 pessoas participavam de uma festa no local.


Com agências internacionais

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