São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

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Esquerdista admite ingerência de Chávez em favor do governo

DO ENVIADO A LA PAZ

Líder histórico da esquerda boliviana, o senador do MAS (Movimento ao Socialismo) por La Paz, Antonio Peredo, 70, acusa os líderes em favor do "sim" do departamento de Santa Cruz de promover idéias separatistas, mas admite que houve ingerência de Hugo Chávez na campanha em favor de seu partido -segundo ele, devido à "exuberância tropical" do mandatário venezuelano. A seguir, a entrevista de Peredo à Folha, gravada no escritório da Comissão Mista de Constituição do Congresso, presidida por ele. (FM)  

FOLHA - Por que o MAS defende que o referendo sobre as autonomias seja considerado apenas em nível nacional?
ANTONIO PEREDO
- Não se trata de uma posição do MAS, trata-se do texto da pergunta. Vou ler a pergunta: "Está você de acordo, sob o princípio da unidade nacional, em dar à Assembléia Constituinte o mandato vinculante para estabelecer um regime de autonomia departamental?". Ou seja, não há um mandato vinculante em nível departamental, mas um mandato vinculante à Assembléia Constituinte. E a Assembléia é nacional. A interpretação deles vem do seguinte: de que eles, desde o primeiro momento, defenderam uma autonomia vinculante no nível departamental, que não aceitamos. E, quando se aprova a Lei de Convocatória, se estabelece claramente que a vinculação é para a Assembléia. Eles, para manter sua posição, estão dizendo isso. E, seguramente, como vão perder as eleições, vão usar esse argumento: "Nós dissemos sim".

FOLHA - No caso provável de o governo ter a maioria na Assembléia e de o "sim" vencer em alguns departamentos, existe o risco de uma grave crise política?
PEREDO
- É necessário fazer a leitura de todas as ações dos membros dessa confraria de Santa Cruz, formada por organismos empresariais e onde está concentrada a direita. E esses organismos disseram, em seu comício de quarta, que estão contra a unidade nacional, apesar do grito de "somos bolivianos". O senador Oscar Ortiz está elaborando um projeto de lei para que se crie o passaporte departamental, de maneira que eu, que vivo em La Paz, tenho de pedir visto se quero ir a Santa Cruz. De que estão falando, de autonomia? Estão falando de separatismo. Eles querem criar as condições de um enfrentamento, e nós estamos defendendo a unidade do país.

FOLHA - Não foi um exagero o presidente Hugo Chávez ter vindo à Bolívia participar da abertura da campanha do MAS à Assembléia?
PEREDO
- Concordaria com essa crítica se eles fizessem autocrítica. O senhor Jorge Quiroga, sendo presidente, visitou o Chapare [região produtora de coca e berço político de Morales] em 2002 com o embaixador dos EUA. E ali, ao lado do presidente, hoje chefe do Podemos, o embaixador disse que, se Morales ganhasse aquelas eleições ou fosse parte do próximo governo, a ajuda americana seria suspensa. Há mais intervenção do que essa? O então presidente Quiroga se fez de desentendido, mas eles estavam lado a lado. Posso concordar que a exuberância tropical do presidente Chávez o faça intervir dessa maneira. Mas a contrapartida está no fato de que o governo da Venezuela está na posição de dizer: "O que a Bolívia precisa, nós ajudamos". Ao contrário de países que sempre impuseram condições.

FOLHA - Mas não é intervenção anunciar investimentos de US$ 1,5 bilhão no lançamento da campanha do MAS, como fez Chávez?
PEREDO
- Sim, evidentemente, mas eu diria que é produto dessa exuberância de Chávez.

FOLHA - O Brasil é um dos países que impõem condições para ajudar?
PEREDO
- Estou falando dos EUA. Estou convencido de que os governos da Argentina e do Brasil são amigos. Os amigos brigam também, mas os povos de Argentina, Uruguai, Brasil, Equador, Bolívia lutam por um objetivo comum: desenvolver-se e ser soberano. Vamos encontrar soluções para as diferenças momentâneas.


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