São Paulo, domingo, 02 de julho de 2006

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Brasileiros tentam pacificar a maior favela de Porto Príncipe

Soldados que integram o contingente das Nações Unidas no Haiti assumiram em maio a responsabilidade por Cité Soleil, a região mais violenta da capital

ANDRÉA MICHAEL
ENVIADA ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

As tropas brasileiras em ação no Haiti concluíram nesta semana o asfaltamento de um trecho de 500 metros da rua Soleil 9. Aparentemente modesta, a obra tem um grande valor simbólico: a via fica no coração de Cité Soleil, a maior e mais violenta favela da capital, Porto Príncipe, e que desde 17 de maio passou à guarda das tropas brasileiras da Minustah (Missão das Nações Unidas de Estabilização no Haiti).
O trabalho foi conduzido pela Companhia de Engenharia Haiti, que pertence ao Exército e conta com 150 profissionais que integram o efetivo militar brasileiro. A um custo de R$ 20 milhões, que serão reembolsados pela ONU, a empresa teve seu maquinário renovado para atuar na missão.
A via recuperada dá acesso ao Ponto Forte 16, a base brasileira, um prédio que em outros tempos servia como mercado central de Cité Soleil, onde vivem 250 mil pessoas.
Seguindo a linha "conquistar corações e mentes haitianos", as tropas brasileiras se preparam para dois outros projetos de repercussão social na favela. Vão iluminar a praça central e recuperar a principal escola da favela, atualmente fechada.
Os muros e casas de alvenaria -madeira é artigo de luxo no Haiti- abrigam, além de miseráveis ou subempregados, gangues armadas e violentas que se digladiam entre si. Em dezembro, segundo contabilidade oficial do Exército, houve 10 mil disparos em um único dia na favela -as gangues fizeram barulho para marcar a morte do líder Emmanuel Wilmer.
Diante do Ponto Forte 16, os olheiros das gangues seguem os passos dos soldados de perto, dia e noite. Os brasileiros trabalham com cautela. A preferência, em caso de necessidade, é usar o arsenal de bombas de efeito moral e balas de borracha. Querem evitar o acirramento das relações com a população, como ocorreu com as tropas jordanianas, que atuavam ali antes dos brasileiros.

Problema social
"O problema de Cité Soleil não é de polícia. É social", diz o general José Elito Siqueira, o comandante militar da Minustah, composta por 7,2 mil soldados de oito países.
A receita parece ter funcionado em Bel Air, zona também conturbada que foi pacificada pelas tropas nacionais. Lá realizou-se em 27 de junho, depois de dois anos de jejum por conta da violência, a cerimônia religiosa em homenagem a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, padroeira do Haiti.
No país de 8,2 milhões de habitantes -70% abaixo da linha da pobreza-, os homens arriscam os dentes para escapar da fome quando comem um biscoito feito com argila e sal. Nas ruas de Porto Príncipe, cuja população soma 2 milhões, as crianças pedem "comida", "one dollar, please", ou, mudas, simplesmente estendem a mão em busca de uma esmola.
Segundo o embaixador brasileiro no Haiti, Paulo Cordeiro, de um modo geral as tropas nacionais têm uma boa receptividade. "Mas ainda assim a presença do Brasil é uma intromissão. Os haitianos entendem a necessidade de nossa presença, mas vivem o dilema de um país que conquistou sua independência, mas não conseguiu exercer sua soberania", diz.
O Haiti foi o segundo país das Américas, depois dos EUA, a se tornar independente, em 1804.
Desde fevereiro, após a eleição do presidente René Préval, o Haiti vive um período de calmaria -o coronel Paulo Humberto, que comanda as tropas brasileiras, prefere o termo "sob controle", por precaução.
O número de seqüestros, que chegou a 100 por mês, está em 15 ocorrências. As ruas, antes cercadas de montanhas de lixo, estão mais limpas. Também diminuiu o cheiro de esgoto, um tempero quase que inevitável do ar, pois não há saneamento básico em Porto Príncipe.
O governo Préval anda a passos lentos, principalmente pela falta de recursos. Só para fechar as despesas de custeio, o país precisa de US$ 20 milhões até setembro. Para 2007, outros US$ 100 milhões são necessários em caráter emergencial.
Ainda é cedo para apontar as razões, mas o fato é que o risco persiste no país, conforme registrou Loris de Filippi, da organização Médicos Sem Fronteiras, que atua em Cité Soleil.
Para Filippi, que reconhece a situação do país como "estável", a população talvez esteja dando sinais de que pretende cobrar uma fatura eleitoral.
"O governo fez muitas promessas. A eleição aconteceu em fevereiro. Passaram-se quatro meses, e a população, que votou em massa, pensa que fez sua parte e quer o retorno", disse.


A repórter ANDRÉA MICHAEL viajou a convite do Ministério da Defesa


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