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Brasileiros tentam pacificar a maior favela de Porto Príncipe
Soldados que integram o contingente das Nações Unidas no Haiti assumiram em maio a responsabilidade por Cité Soleil, a região mais violenta da capital
ANDRÉA MICHAEL
ENVIADA ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
As tropas brasileiras em ação
no Haiti concluíram nesta semana o asfaltamento de um
trecho de 500 metros da rua
Soleil 9. Aparentemente modesta, a obra tem um grande valor simbólico: a via fica no coração de Cité Soleil, a maior e
mais violenta favela da capital,
Porto Príncipe, e que desde 17
de maio passou à guarda das
tropas brasileiras da Minustah
(Missão das Nações Unidas de
Estabilização no Haiti).
O trabalho foi conduzido pela Companhia de Engenharia
Haiti, que pertence ao Exército
e conta com 150 profissionais
que integram o efetivo militar
brasileiro. A um custo de R$ 20
milhões, que serão reembolsados pela ONU, a empresa teve
seu maquinário renovado para
atuar na missão.
A via recuperada dá acesso ao
Ponto Forte 16, a base brasileira, um prédio que em outros
tempos servia como mercado
central de Cité Soleil, onde vivem 250 mil pessoas.
Seguindo a linha "conquistar
corações e mentes haitianos",
as tropas brasileiras se preparam para dois outros projetos
de repercussão social na favela.
Vão iluminar a praça central e
recuperar a principal escola da
favela, atualmente fechada.
Os muros e casas de alvenaria
-madeira é artigo de luxo no
Haiti- abrigam, além de miseráveis ou subempregados, gangues armadas e violentas que se
digladiam entre si. Em dezembro, segundo contabilidade oficial do Exército, houve 10 mil
disparos em um único dia na favela -as gangues fizeram barulho para marcar a morte do líder Emmanuel Wilmer.
Diante do Ponto Forte 16, os
olheiros das gangues seguem os
passos dos soldados de perto,
dia e noite. Os brasileiros trabalham com cautela. A preferência, em caso de necessidade, é
usar o arsenal de bombas de
efeito moral e balas de borracha. Querem evitar o acirramento das relações com a população, como ocorreu com as
tropas jordanianas, que atuavam ali antes dos brasileiros.
Problema social
"O problema de Cité Soleil
não é de polícia. É social", diz o
general José Elito Siqueira, o
comandante militar da Minustah, composta por 7,2 mil soldados de oito países.
A receita parece ter funcionado em Bel Air, zona também
conturbada que foi pacificada
pelas tropas nacionais. Lá realizou-se em 27 de junho, depois
de dois anos de jejum por conta
da violência, a cerimônia religiosa em homenagem a Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro,
padroeira do Haiti.
No país de 8,2 milhões de habitantes -70% abaixo da linha
da pobreza-, os homens arriscam os dentes para escapar da
fome quando comem um biscoito feito com argila e sal. Nas
ruas de Porto Príncipe, cuja população soma 2 milhões, as
crianças pedem "comida", "one
dollar, please", ou, mudas, simplesmente estendem a mão em
busca de uma esmola.
Segundo o embaixador brasileiro no Haiti, Paulo Cordeiro,
de um modo geral as tropas nacionais têm uma boa receptividade. "Mas ainda assim a presença do Brasil é uma intromissão. Os haitianos entendem a
necessidade de nossa presença,
mas vivem o dilema de um país
que conquistou sua independência, mas não conseguiu
exercer sua soberania", diz.
O Haiti foi o segundo país das
Américas, depois dos EUA, a se
tornar independente, em 1804.
Desde fevereiro, após a eleição do presidente René Préval,
o Haiti vive um período de calmaria -o coronel Paulo Humberto, que comanda as tropas
brasileiras, prefere o termo
"sob controle", por precaução.
O número de seqüestros, que
chegou a 100 por mês, está em
15 ocorrências. As ruas, antes
cercadas de montanhas de lixo,
estão mais limpas. Também diminuiu o cheiro de esgoto, um
tempero quase que inevitável
do ar, pois não há saneamento
básico em Porto Príncipe.
O governo Préval anda a passos lentos, principalmente pela
falta de recursos. Só para fechar
as despesas de custeio, o país
precisa de US$ 20 milhões até
setembro. Para 2007, outros
US$ 100 milhões são necessários em caráter emergencial.
Ainda é cedo para apontar as
razões, mas o fato é que o risco
persiste no país, conforme registrou Loris de Filippi, da organização Médicos Sem Fronteiras, que atua em Cité Soleil.
Para Filippi, que reconhece a
situação do país como "estável", a população talvez esteja
dando sinais de que pretende
cobrar uma fatura eleitoral.
"O governo fez muitas promessas. A eleição aconteceu em
fevereiro. Passaram-se quatro
meses, e a população, que votou
em massa, pensa que fez sua
parte e quer o retorno", disse.
A repórter ANDRÉA MICHAEL viajou a convite
do Ministério da Defesa
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