São Paulo, quinta, 2 de julho de 1998

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UM ANO DEPOIS
No aniversário da volta ao controle chinês, o território enfrenta recessão, enquanto Pequim ganha prestígio
China exibe mais ganhos do que Hong Kong

JAIME SPITZCOVSKY
Editor de Exterior e Ciência

Um ano depois do retorno de Hong Kong ao controle chinês, o governo em Pequim contabiliza mais motivos para comemorar do que a população da ex-colônia britânica. Enquanto um dos pólos mais importantes da economia asiática mergulha em recessão, a China atravessa um momento político especialmente propício.
Não se confirmaram as previsões, às vezes catastróficas, de que a "mão de ferro" de Pequim estrangularia a democracia em Hong Kong, apesar da fórmula "um país, dois sistemas". De acordo com o esquema costurado por Londres e Pequim em 1984, a ex-colônia manteria seu sistema liberal e capitalista por pelo menos 50 anos.
Às vésperas da devolução, em 97, o governo chinês enfrentava as acusações de ser uma entidade desacostumada com a convivência democrática que contagiaria Hong Kong com o vírus da intolerância.
Na terça-feira, um militante anti-Pequim queimou um retrato do presidente chinês, Jiang Zemin, diante de policiais. Não foi incomodado.
A imprensa de Hong Kong sobrevive como uma das mais vibrantes da Ásia. Também a emblemática homenagem aos mortos na repressão em 1989 ao movimento pró-democracia da praça Tiananmen, em Pequim, ocorreu no mês passado sem incidentes.
Se no atacado a China respeita as liberdades políticas, ainda existem problemas no varejo. O principal é o Parlamento local, eleito por um mecanismo que garante maioria às forças pró-Pequim, num projeto destinado a garantir tranquilidade ao governador Tung Chee-hwa, afilhado político de Jiang Zemin.
Também resta como ameaça a lei de sedição, ainda em debate. A imprensa de Hong Kong teme uma legislação que pode considerar "traição" críticas a Pequim.
No entanto, a China de Jiang emite sinais de uma tímida liberalização, como exemplifica a viagem de Clinton ao país. As críticas da Casa Branca a Pequim foram transmitidas pela TV chinesa ao vivo, num fato inédito.
O respeito da China à maioria das liberdades civis de Hong Kong também fortalece a estratégia de Jiang para Taiwan. Ontem, o presidente voltou a oferecer o modelo "um país, dois sistemas" para a reunificação com a "ilha rebelde", um objetivo estratégico para Pequim.
A fórmula também vai reger a volta de Macau, hoje sob administração portuguesa, ao controle chinês em dezembro de 1999. Taiwan, no entanto, afirma que aceita a reunificação apenas depois de a China se democratizar.
A pressão sobre Taiwan aumenta, enquanto a China recupera prestígio internacional. Além do sucesso, até agora, da fórmula "um país, dois sistemas" e da reaproximação com os EUA, Pequim ganha credibilidade ao atuar como uma das raras âncoras de estabilidade no cenário turbulento da economia asiática.

Recessão
Apesar da pressão provocada pela depreciação das moedas em países vizinhos, a China não desvalorizou o seu yuan. A posição chinesa também contribui para recuperar a confiança na economia de Hong Kong, pois Pequim promete atuar no sentido de apoiar a ex-colônia britânica e evitar um quadro econômico pior do que o atual.
"A turbulência ainda não acabou. A economia de Hong Kong ainda vai enfrentar dificuldades durante certo tempo", declarou ontem Jiang Zemin.
Ironia da história: em anos passados, Hong Kong despontou como motor principal das reformas pró-capitalismo na China. Hoje, a China ajuda a manter o capitalismo de Hong Kong.
Vítima da crise asiática, Hong Kong enfrenta o maior índice de desemprego em 15 anos, e sua economia mergulhou em recessão (veja quadro nesta página). Neste aniversário, não há tantos carros Rolls-Royce, tanto champanhe e caviar como nas festas em julho do ano passado.



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