São Paulo, terça-feira, 02 de agosto de 2005

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EUA

Presidente aproveita recesso para confirmar o novo embaixador, cuja controversa nomeação desagradou até a republicanos

Bush ignora Senado e põe Bolton na ONU

Jonathan Ernst/Reuters
Bolton, o novo embaixador dos EUA na ONU, dá entrevista observado por Bush na Casa Branca


PEDRO DIAS LEITE
DE NOVA YORK

O presidente dos EUA, George W. Bush, usou uma prerrogativa constitucional e passou por cima do Senado norte-americano para nomear o novo embaixador do país para a ONU, John Bolton.
A nomeação estava pendente havia quase três meses, em razão da forte oposição ao indicado, que no passado já demonstrou desprezo pela ONU e é acusado de usar sua influência política para demolir desafetos.
"Por causa de táticas partidárias por parte de alguns senadores, tem sido injustamente negado a John o direito de uma votação que ele merece. Com isso, a América passou mais de seis meses sem um embaixador permanente nas Nações Unidas. Esse posto é importante demais para ser deixado vago por mais tempo. Especialmente durante uma guerra e um debate vital sobre a reforma da ONU", afirmou Bush, ao anunciar a nomeação de Bolton.
O republicano utilizou uma regra constitucional que permite ao presidente nomear, durante o recesso do Legislativo, um indicado que precise de autorização do Congresso. A prática é usada largamente pela Casa Branca, mas raramente para um cargo tão importante. Bill Clinton, em oito anos, fez 140 nomeações durante o recesso. No primeiro mandato, Bush fez 110. Mas nunca um embaixador na ONU tinha passado por cima do Senado.
A nomeação de Bolton durante o recesso põe fim a um impasse que começou há quase três meses, em oito de março, e tem validade até 2007, quando tem início o próximo mandato do Senado.
O nome de Bolton havia encontrado dificuldades já no Comitê de Relações Internacionais do Senado, controlado pelos republicanos. Sua aprovação demorou um mês e meio, porque até partidários de Bush tinham ressalvas à indicação. Quando a aprovação passou para o plenário do Senado, os democratas usaram uma regra do regimento que permite o bloqueio do processo.
Apesar de não ter força suficiente para desfazer o bloqueio (eram necessários 60 dos 100 votos), os republicanos tinham a maioria necessária (mais de 50 votos) para aprovar a nomeação de Bolton, caso ela tivesse ocorrido. Após quase dois meses de impasse, Bush tomou o caminho de fazer a nomeação no recesso.
Mas as resistências ao nome de Bolton não surgiram do nada. Suas declarações do passado têm um claro viés antimultilateralista, que parece bater de frente com seu novo posto, justamente na principal organização multilateral do planeta. Entre suas frases que ficaram famosas ao longo dos anos estão a de que "não faria a menor diferença se o prédio das Nações Unidas perdesse dez andares" e que a assinatura da carta em que os EUA se recusaram a participar do Tribunal Penal Internacional foi "o momento mais feliz" da sua carreira no governo.
Mas o que mais provocou oposição durante seu processo de aprovação no Senado foram relatos de que Bolton, protegido do vice Dick Cheney, tentou demitir analistas de inteligência que discordavam dele em relatos sobre Cuba. Os críticos afirmam que o agora embaixador não tem a habilidade necessária para um posto diplomático e que atropela quem não concorda com ele.
Já os defensores dizem que, na verdade, Bolton é um negociador duro, com posições consolidadas, exatamente o que os EUA precisam num momento de discussão de reformas da ONU.
Uma das vítimas de Bolton foi o diplomata brasileiro José Maurício Bustani, derrubado da direção da Opaq (organização para o fim das armas químicas, da ONU) por pressão dos EUA. "Apareceu esse John Bolton, que é um antimultilateralista, um anti-ONU, um prepotente, querendo mandar em tudo", disse Bustani em 2002 sobre o choque que custou seu cargo. O diplomata é hoje o embaixador do Brasil em Londres.

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