São Paulo, segunda-feira, 02 de outubro de 2000

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Garoto de 12 anos morto diante de câmeras vira mártir

PHIL REEVES
DO "THE INDEPENDENT", EM GAZA

É uma imagem tão dolorosa e forte quanto as cenas das crianças palestinas combatendo os bem armados soldados de Israel durante a Intifada (revolta popular contra a ocupação israelense, ocorrida entre 1987 e 1993).
Um garoto de 12 anos no chão, em pânico, ao lado do pai, buscando proteção enquanto balas atingem o muro atrás dele até que uma delas o atinge fatalmente.
Os últimos momentos da vida de Mohammed Jamal al Durah foram registrados no sábado pelas câmeras de TV em Gaza. Nenhum analista ou porta-voz criativo poderá dizer que ele portava uma arma ou representava perigo aos soldados israelenses.
Outra criança árabe, Samir Tabangi, 10, morreu ontem após ser atingida por tiro no peito nas batalhas entre israelenses e palestinos em Nablus (Cisjordânia).
Mas é a imagem da revoltante morte de Mohammed -exibida repetidas vezes pela TV palestina- que ficará como exemplo frustrante e patético do mais recente desperdício de vidas numa eclosão de violência latente há muito tempo, detonada pela visita à Esplanada das Mesquitas (Jerusalém Oriental) do irresponsável líder do Likud (partido da oposição israelense), Ariel Sharon.
De acordo com seus parentes, Mohammed e seu pai, Jamal, 36, estavam voltando de um popular mercado de carros usados de Gaza tentando chegar a sua casa, no campo de refugiados de Buriej.
Chegaram ao cruzamento de Netzarim, perto de posto militar israelense na entrada de uma estrada que leva a uma colônia judaica. Sem conseguir passar por causa dos intensos combates no local, Al Durah, pintor que trabalha em Israel, decidiu tentar contornar os combates a pé.
Minutos depois, pai e filho estavam no meio de uma troca de tiros, buscando refúgio atrás de uma parede de concreto.
Al Durah, que ficou gravemente ferido no ombro, no braço e nas pernas, depois contou que ele e o filho ficaram presos por 45 minutos. Durante esse período, o garoto foi atingido e morreu. Seu pai diz que as ambulâncias não conseguiram socorrê-los por meia hora por causa do tiroteio pesado.
O "Independent" visitou o local ontem. Policiais palestinos e soldados israelenses seguiam trocando tiros de rifles e metralhadoras numa batalha incessante.
O impacto da artilharia pesada era visível no principal hospital de Gaza, Al Shifa. Funcionários disseram que atenderam mais de 30 feridos por balas, um dos quais morreu. Outros três estavam em estado crítico.
Há um posto militar israelense bem diante do lugar onde Mohammed foi morto. O Exército israelense diz que ele foi morto no "fogo cruzado" e que não sabe quem disparou as balas fatais. Os palestinos dizem que ele foi morto pelos soldados israelenses.
O que está claro é que o garoto tornou-se um mártir para os palestinos. Ele será lembrado de forma diferente dos outros mortos no conflito atual. Isso foi confirmado pela multidão que acompanhou seu funeral pelas ruas de Gaza na noite de sábado.
"Seu sangue foi um sacrifício pela Palestina", disse sua mãe, Amel, 34. Falando do leito do hospital, o pai foi mais explícito. Mohammed morreu pela "mesquita de Al Aqsa", o local sagrado em Jerusalém visitado por Sharon.
As últimas imagens dos conflitos não são nada boas para Israel. O país perdeu a guerra de propaganda durante a Intifada porque a opinião pública não conseguia engolir as cenas de crianças árabes atirando pedras sendo reprimidas por soldados muito bem armados do Exército invasor.
Agora é acusado de detonar uma luta por lugares sagrados na qual crianças pequenas estão novamente sendo mortas. Mesmo os caros consultores de marketing do premiê Ehud Barak terão dificuldades para melhorar o quadro.


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