São Paulo, terça-feira, 02 de outubro de 2001

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Hospital já se prepara para receber feridos

PATRICK COCKBURN
DO "THE INDEPENDENT"
NO VALE DE PANSHIR (AFEGANISTÃO)

O médico Gino Strada, cirurgião italiano que construiu o único hospital moderno do Afeganistão, e a administradora do local, a enfermeira britânica Kate Rowlands, estão se preparando para a chegada de um grande número de pessoas feridas, diante da iminência da retaliação americana.
"Temo a retórica de George Bush de trazer de volta os inimigos da América vivos ou mortos", disse Strada. "Políticos do mundo todo, que não poderiam localizar o Afeganistão no mapa, discutem se o país deve ser o alvo dos bombardeios. A única certeza é que pessoas aqui vão morrer."
O cirurgião acabou de retornar de uma viagem de cinco dias através das montanhas do Paquistão, em direção ao seu Centro Cirúrgico de Emergência para Vítimas de Guerra, aberto há três anos, próximo à cidade de Anava, no isolado vale de Panshir.
Ele e Kate voltaram imediatamente ao trabalho após terem retornado a Panshir. Queriam verificar quais pacientes já estavam recuperados o bastante para receber alta. O objetivo é ter os leitos do centro cirúrgico livres para pacientes seriamente feridos, quando as batalhas começarem.
O hospital, um conjunto de bonitos prédios brancos com portas vermelhas, foi uma extraordinária realização. Equipamentos militares russos abandonados foram usados na obra. O equipamento médico teve de atravessar as montanhas em embalagens nas costas de animais.
O hospital é voltado, a princípio, para vítimas de guerra. Mas, como não existe outro hospital tão bem equipado na região, os cinco cirurgiões e os 24 enfermeiros que trabalham no local nunca dão as costas a alguém.
A maioria dos leitos está ocupada por soldados e civis feridos nas últimas batalhas.
Em um quarto, um fisioterapeuta fazia exercícios com Hoja Sharif, 40, desempregado, natural de Charicar, ao norte de Cabul, que teve a perna esquerda destruída por um míssil do Taleban, enquanto caminhava.
Nem todos os que foram feridos em consequência da guerra são soldados. Kate aponta um jovem de 15 anos chamado Sardarkhan, dizendo: "É a segunda vez que está aqui. Nas duas vezes, veio porque a munição com que estava brincando explodiu."
A maioria dos pacientes atendidos por Strada vem de áreas controladas pela Aliança do Norte, que faz oposição ao Taleban.
Ele tem tentado abrir um hospital em Cabul. Chegou a conseguir. Seu hospital na cidade tinha 120 leitos. Planejava expandir para 300. Mas, logo após a inauguração, foi invadido pela polícia religiosa, responsável por "combater o vício e promover a virtude".
"Eles agrediram a nossa equipe e jogaram três pessoas na cadeia por dez dias", disse Strada.
O cirurgião decidiu fechar o hospital e afirma que não irá reabri-lo até que as autoridades do Taleban garantam sua segurança.
Strada é assustadoramente tranquilo com relação aos problemas que enfrenta por conduzir um hospital no Afeganistão. Sua raiva se dirige ao que chama de hipocrisia daqueles que acredita estarem prestes a impor um terrível sofrimento aos afegãos. Ele culpa os EUA e o Paquistão por terem mandado os primeiros fanáticos religiosos para o Afeganistão, na Guerra Fria, começando o processo de formação do Taleban.


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