São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2004

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ELEIÇÃO NOS EUA

Para especialista, tela dividida, que não era permitida, mostrou um Bush irritado e um Kerry confiante

Ao quebrar regras, TVs ajudaram Kerry

LUCIANA COELHO
DE NOVA YORK

Se o candidato democrata, John Kerry, venceu o debate presidencial de anteontem, ele deve muito à decisão das TVs americanas de burlar as rígidas regras de transmissão. Afinal, se seguido o combinado, os 62,5 milhões de espectadores do confronto não teriam acesso às reações de seu adversário, o presidente George W. Bush.
"Uma das principais regras impedia as TVs de mostrarem os candidatos ao mesmo tempo. Mas elas fizeram isso o tempo todo, e foi exatamente por causa dos momentos não-verbais que as pessoas ficaram com a impressão de que Bush foi pior", disse à Folha o professor Robert Kubey, diretor do Centro para Estudos da Mídia da Universidade Rutgers, em Nova Jersey.
Antes do debate, as redes alegaram que desobedeceriam à extensa lista de determinações, organizada pelos comitês dos dois candidatos e pela Comissão para os Debates Presidenciais (CDP), "pelo bem do jornalismo".
Durante a transmissão, mantiveram uma edição simples, de câmeras fixas, mas usaram à exaustão o recurso da tela dividida para mostrar os candidatos simultaneamente -o CDP, que proibira as câmeras de focalizar um candidato enquanto outro falava, não teve como fazer cumprir a ordem. "Acho que as TVs fizeram bem ao não seguir as regras. [A tela dividida] deu aos espectadores uma visão mais precisa do que estava acontecendo", opinou Kubey.
O que estava acontecendo nesses "momentos não-verbais": Bush suspirando, aparentando cansaço, ansiedade ou procurando respostas; Kerry sorrindo com confiança, calmo e seguro. Essa, ao menos, foi a análise extensivamente repetida por todo o dia de ontem pelos principais canais de notícias dos EUA, a CNN e a Fox News. ABC, NBC e CBS, as três maiores redes dos EUA, também declararam Kerry vencedor.
"Fiquei surpreso com a Fox, porque eles são bastante partidários [do atual governo]. Acho que o fato de até a Fox mostrar analistas dizendo que Kerry foi melhor é um sintoma de quão mal Bush foi", disse Kubey.
Pelo bem da imparcialidade jornalística, houve aqueles que surgiram na tela dizendo que Bush se saíra melhor -mas, inevitavelmente, se tratava de uma pessoa diretamente ligada à campanha do presidente, que logo se via confrontada com os resultados das pesquisas. Democratas também foram questionados, sobretudo a respeito de uma resposta vaga de Kerry sobre seu voto contra a liberação de US$ 87 bilhões para a Guerra do Iraque.
Mas, da boca dos analistas, teoricamente imparciais, vinha um raro uníssono: Kerry se saiu melhor e chamou a atenção dos eleitores. Se a performance vai se converter em votos é uma incógnita, mas que o debate melhora suas chances é fato.
O evento de anteontem superou em cerca de 12 milhões as expectativas de público, uma audiência inédita desde que George Bush pai debateu com Bill Clinton e Ross Perot em 1992.
"O debate pode influenciar muito a opinião pública. Isso porque as pessoas sabem como Bush é, mas não sabem como Kerry é. Muita gente prestou atenção nele pela primeira vez ", comentou Kubey. "E Kerry se mostrou em sua melhor forma."
Na análise de Kubey, o efeito para Bush foi contrário. "As pessoas nunca têm oportunidade de ver Bush assim, tão desorganizado, procurando respostas. As pessoas sempre o vêem falando para um público que o apóia, nunca sendo atacado ou acusado por uma outra pessoa", disse.
Ao contrário das TVs, os jornais destoaram em sua cobertura. O "USA Today" e o "New York Times" cantaram vitória democrata. "Se a questão era se Kerry pareceria presidencial, apresentaria suas posições claramente e sucintamente e manteria Bush na defensiva, então ele não deixou nada a desejar", disse o "Times". Já o "Washington Post" fez uma leitura mais neutra, ressaltando momentos de hesitação de ambos.


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