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ELEIÇÃO NOS EUA
Para especialista, tela dividida, que não era permitida, mostrou um Bush irritado e um Kerry confiante
Ao quebrar regras, TVs ajudaram Kerry
LUCIANA COELHO
DE NOVA YORK
Se o candidato democrata, John
Kerry, venceu o debate presidencial de anteontem, ele deve muito
à decisão das TVs americanas de
burlar as rígidas regras de transmissão. Afinal, se seguido o combinado, os 62,5 milhões de espectadores do confronto não teriam
acesso às reações de seu adversário, o presidente George W. Bush.
"Uma das principais regras impedia as TVs de mostrarem os
candidatos ao mesmo tempo.
Mas elas fizeram isso o tempo todo, e foi exatamente por causa dos
momentos não-verbais que as
pessoas ficaram com a impressão
de que Bush foi pior", disse à Folha o professor Robert Kubey, diretor do Centro para Estudos da
Mídia da Universidade Rutgers,
em Nova Jersey.
Antes do debate, as redes alegaram que desobedeceriam à extensa lista de determinações, organizada pelos comitês dos dois candidatos e pela Comissão para os
Debates Presidenciais (CDP),
"pelo bem do jornalismo".
Durante a transmissão, mantiveram uma edição simples, de câmeras fixas, mas usaram à exaustão o recurso da tela dividida para
mostrar os candidatos simultaneamente -o CDP, que proibira
as câmeras de focalizar um candidato enquanto outro falava, não
teve como fazer cumprir a ordem.
"Acho que as TVs fizeram bem ao
não seguir as regras. [A tela dividida] deu aos espectadores uma
visão mais precisa do que estava
acontecendo", opinou Kubey.
O que estava acontecendo nesses "momentos não-verbais":
Bush suspirando, aparentando
cansaço, ansiedade ou procurando respostas; Kerry sorrindo com
confiança, calmo e seguro. Essa,
ao menos, foi a análise extensivamente repetida por todo o dia de
ontem pelos principais canais de
notícias dos EUA, a CNN e a Fox
News. ABC, NBC e CBS, as três
maiores redes dos EUA, também
declararam Kerry vencedor.
"Fiquei surpreso com a Fox,
porque eles são bastante partidários [do atual governo]. Acho que
o fato de até a Fox mostrar analistas dizendo que Kerry foi melhor
é um sintoma de quão mal Bush
foi", disse Kubey.
Pelo bem da imparcialidade jornalística, houve aqueles que surgiram na tela dizendo que Bush se
saíra melhor -mas, inevitavelmente, se tratava de uma pessoa
diretamente ligada à campanha
do presidente, que logo se via confrontada com os resultados das
pesquisas. Democratas também
foram questionados, sobretudo a
respeito de uma resposta vaga de
Kerry sobre seu voto contra a liberação de US$ 87 bilhões para a
Guerra do Iraque.
Mas, da boca dos analistas, teoricamente imparciais, vinha um
raro uníssono: Kerry se saiu melhor e chamou a atenção dos eleitores. Se a performance vai se
converter em votos é uma incógnita, mas que o debate melhora
suas chances é fato.
O evento de anteontem superou
em cerca de 12 milhões as expectativas de público, uma audiência
inédita desde que George Bush
pai debateu com Bill Clinton e
Ross Perot em 1992.
"O debate pode influenciar
muito a opinião pública. Isso porque as pessoas sabem como Bush
é, mas não sabem como Kerry é.
Muita gente prestou atenção nele
pela primeira vez ", comentou
Kubey. "E Kerry se mostrou em
sua melhor forma."
Na análise de Kubey, o efeito para Bush foi contrário. "As pessoas
nunca têm oportunidade de ver
Bush assim, tão desorganizado,
procurando respostas. As pessoas
sempre o vêem falando para um
público que o apóia, nunca sendo
atacado ou acusado por uma outra pessoa", disse.
Ao contrário das TVs, os jornais
destoaram em sua cobertura. O
"USA Today" e o "New York Times" cantaram vitória democrata. "Se a questão era se Kerry pareceria presidencial, apresentaria
suas posições claramente e sucintamente e manteria Bush na defensiva, então ele não deixou nada
a desejar", disse o "Times". Já o
"Washington Post" fez uma leitura mais neutra, ressaltando momentos de hesitação de ambos.
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