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Caos ajudou a alimentar mitos em Nova Orleans
JIM DWYER
CHRISTOPHER DREW
DO "NEW YORK TIMES", EM NOVA ORLEANS
Depois da tempestade, veio o
cerco.
Nos dias que se seguiram à passagem do Katrina, Nova Orleans
foi tomada pelo clima de terror
provocado por crimes testemunhados ou não, reais ou frutos de
rumores. Os temores modificaram o envio de tropas, adiaram
retirada de pessoas por motivos
médicos, levaram policiais a
abandonar seus postos e impediram helicópteros de decolar.
O superintendente de polícia da
cidade, Edwin P. Compass 3º, disse que turistas estavam sendo assaltados e estuprados nas ruas. A
situação de carência absoluta nos
dois principais abrigos da cidade
-o centro de convenções e o Superdome- foi agravada, segundo as autoridades, pela presença
de bandos de malfeitores que violentavam mulheres e crianças.
Mas uma revisão das evidências
disponíveis hoje mostra que algumas das histórias mais alarmantes que percorreram a cidade parecem ser pouco mais do que fruto da imaginação de pessoas assustadas, produto de circunstâncias infernais que incluíam a ausência de comunicações confiáveis e também, possivelmente, resíduo de um longo histórico de relações complicadas entre alguns
integrantes da força policial e
uma parte do público.
O superintendente Compass,
uma das poucas fontes aparentemente bem informadas nos dias
que se seguiram ao furacão, pediu
demissão de seu cargo na terça-feira, por motivos ainda não claros. Sua saída aconteceu justamente quando ele vinha sendo
criticado pelo jornal "New Orleans Time-Picayune", que questionou muitos dos relatos que
Compass fez sobre casos de violência extrema.
Talvez nunca seja possível fazer
uma crônica completa dos crimes
daquela semana, os que de fato
ocorreram e os que foram denunciados, porque tantas funções básicas do governo foram suspensas
no início da semana, entre elas os
registros de segurança pública.
Mesmo entre as pessoas que diziam ter estado no mesmo lugar
no mesmo momento, as recordações de umas e outras nem sempre são iguais. Por exemplo, um
líder da equipe SWAT da polícia
afirmou que sua equipe várias vezes procurou os autores de disparos de armas no centro de convenções. Mas várias pessoas retiradas do local disseram que em
nenhum momento ouviram tiros
sendo disparados ali.
O que fica claro é que boatos sobre crimes em vários casos exerceram papel importante na reação dos serviços de emergência,
um papel tão importante quanto
os casos reais de desordem pública. Uma equipe de paramédicos
foi impedida de entrar em Slidell
-situada do outro lado do lago
Pontchartrain, em relação a Nova
Orleans- durante quase dez horas, em razão da denúncia feita
por um policial estadual de que
uma turba de pessoas armadas teria confiscado barcos e estaria fazendo desordem.
No fim, segundo Farol Champlin, paramédico da ambulância
Acadian, constatou-se que o que
havia de fato eram dois homens
fugindo de suas ruas inundadas.
Diante de relatos de que 400 a
500 saqueadores armados estariam avançando sobre a cidade de
Westwego, dois policiais abandonaram seus postos imediatamente. Os saqueadores nunca chegaram a aparecer, disse o chefe de
polícia de Westwego, Dwayne
Munch, que comentou: "Boatos
são capazes de derrubar um exército inteiro".
Durante os seis dias nos quais o
Superdome foi usado como abrigo, o chefe da unidade de crimes
sexuais do Departamento de Polícia de Nova Orleans, tenente David Benelli, disse que ele e seus policiais viveram dentro do ginásio e
investigaram todas as denúncias
de estupro e atrocidades.
No final, fizeram duas prisões
por tentativa de agressão sexual.
Eles concluíram que os outros
ataques simplesmente não aconteceram.
"Acho que foi um mito urbano", disse Benelli, que também dirige o sindicato dos policiais. "Você coloca 25 mil pessoas debaixo
do mesmo teto, sem água corrente, eletricidade ou informações, e
as histórias começam a se espalhar."
De acordo com o que muitas
pessoas recordam, os crimes reais
e graves começaram antes da catastrófica ruptura das barragens,
levando à inundação da cidade, e
eles foram em sua maioria crimes
de oportunidade e não de agressão. De acordo com o capitão Anthony Canatella, comandante da
polícia no Sexto Distrito, os saqueadores atacaram na meia hora, mais ou menos, durante a qual
o olho do furacão Katrina caiu sobre a cidade -um momento ilusório de sol e brisas agradáveis.
Usando uma corrente presa a
um carro, eles arrombaram as
portas de aço dos fundos de uma
loja de penhores chamada Cash
America, na Claiborne Avenue.
"Não havia nada lá dentro de primeira necessidade", disse Canatella. "Apenas armas e ferramentas
elétricas."
O Sexto Distrito -que, como
boa parte de Nova Orleans, é um
verdadeiro tabuleiro de xadrez de
riqueza e pobreza- foi palco de
boa parte dos saques maiores,
sendo boa parte deles limitados
aos bairros de baixa renda. Um
dos alvos principais foi a loja Wal-Mart na rua Tchoupitoulas, que
faz divisa com o elegante Garden
District.
Os saqueadores disseram a um
repórter do "Times" que seguiram policiais para dentro de uma
loja arrombada pela polícia. Os
comandantes da polícia disseram
que tinham sido autorizados a pegar o que precisavam para sua sobrevivência. Mas um jornalista do
"Times-Picayune" disse que viu
policiais pegando DVDs.
Teve início um frenesi de roubos, e os frutos de tudo isso puderam ser vistos na semana passada
em três contêineres estacionados
diante da delegacia de polícia do
Sexto Distrito. Dentro deles havia
produtos recuperados, que haviam sido guardados pelos saqueadores em casas espalhadas
pelo bairro, segundo Canatella.
Alguns, mas não todos, ainda
portavam etiquetas do Wal-Mart.
Entre eles havia um computador
ainda em sua caixa, garrafas de
conhaque, embalagens de fraldas
e de leite infantil, um aparelho de
massagens recarregável, um aparador de grama, caixas de copos e
pilhas de DVDs. "Não foi roubado um único objeto educativo",
comentou Canatella. "Os livros
continuavam exatamente em seus
lugares. Mas todos os relógios de
US$ 9 da loja sumiram."
Um dos policiais que foram ao
Wal-Mart disse que a polícia não
procurou impedir as pessoas de
levar comida e água. "As pessoas
que estavam sentadas diante do
Wal-Mart com comida e água, esperando uma carona, eu deixei ali
mesmo", contou o sargento Dan
Anderson, do Sexto Distrito. "Se
estavam carregando produtos
eletrônicos, eu colocava os produtos de volta na loja."
Tradução de Clara Allain
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