São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

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DIREITOS HUMANOS

Até crianças levam eletrochoque sem anestesia, diz relatório que pode complicar o país ante a UE

ONG relata barbárie em hospital turco

CRAIG S. SMITH
DO "NEW YORK TIMES", EM PARIS

Os hospitais psiquiátricos turcos praticam abusos horrendos, entre os quais o uso de choques elétricos como forma de punição, de acordo com o relatório de uma ONG de defesa de direitos humanos divulgado na quarta-feira, dias antes da data marcada para a Turquia iniciar suas negociações de admissão à União Européia.
O relatório, da Mental Disability Rights International, organização de Washington que defende os direitos dos pacientes psiquiátricos, surgiu depois de diversas visitas de um grupo de investigadores da ONG a hospitais psiquiátricos e outras instituições que atendem pessoas que sofrem de distúrbios mentais.
Embora o relatório detalhe diversas modalidades de abuso, afirma que a mais perturbadora delas envolve o uso de terapia eletroconvulsiva sem anestesia, para o tratamento de ampla gama de moléstias, em adultos e crianças, o que a Organização Mundial de Saúde condena.
A terapia, sob a qual uma corrente elétrica é usada para estimular o cérebro do paciente, foi desenvolvida nos anos 30 e continua a ser usada na psiquiatria convencional como tratamento para um número limitado de doenças. Mas normalmente é administrada com aplicação de relaxantes musculares.
Sem esses atenuantes, ela pode ser dolorosa, aterrorizante e perigosa. Os pacientes correm risco de fratura da mandíbula ou de vértebras durante as convulsões eletricamente induzidas.
O Ministério da Saúde turco disse que ainda não havia estudado o relatório e não quis comentar, limitando-se a dizer que o diretor do centro de terapia eletroconvulsiva de Bakirkoy negava ter dado choques elétricos não atenuados no local.
Mas em um dia em que os integrantes da ONG visitaram o hospital, em abril, 24 pessoas haviam recebido esse tipo de tratamento, segundo o relatório.
Havia crianças de apenas nove anos entre os pacientes submetidos ao método, que também era empregado para tratar depressão pós-parto. Os investigadores também constataram que o tratamento era usado como punição. O relatório descreve pacientes arrastados para sessões de choque em camisas-de-força.
"Se usarmos anestesia, a terapia de choque não será tão efetiva, porque eles não se sentirão punidos", teria dito o diretor de terapia eletroconvulsiva, segundo o relatório.
É provável que o novo relatório complique a negociação entre a Turquia e a UE devido aos severos requisitos do bloco quanto aos direitos humanos em países candidatos à admissão. O relatório, que inclui testemunhos de ex-pacientes e vídeos gravados no interior de algumas instituições, também reporta outros maus-tratos.
Boa parte da violência documentada acontece em orfanatos e centros de reabilitação para crianças com distúrbios de desenvolvimento ou intelectuais. Os investigadores viram crianças emaciadas, negligenciadas, amarradas às camas, muitas delas exibindo problemas de comportamento que eram mais provavelmente resultado dos maus-tratos sofridos do que distúrbios preexistentes.
O acesso dos investigadores aos pavilhões mais problemáticos havia sido impedido.
Fotografias e vídeos obtidos no centro de reabilitação de Saray, a maior das instalações de reabilitação administradas pelo governo da Turquia, mostra crianças esqueléticas, algumas das quais com garrafas plásticas de água amarradas nas mão para impedir que mordessem os dedos. Funcionários da Diretoria de Serviços Sociais e Proteção à Criança da Turquia não foram localizados para comentar.


Tradução de Paulo Migliacci

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