São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

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AMÉRICA DO SUL

Suposto local é cidade de 3.000 habitantes com aspecto fantasma e pista de pouso para "todo tipo de aeronave"

Mistério da base dos EUA inquieta paraguaios

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Pista do aeroporto da cidade de Mariscal Estigarribia, no noroeste do Paraguai, onde se especula que os EUA terão uma base militar


CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA A MARISCAL ESTIGARRIBIA

A cerca de 50 km de distância e a uma altura de quase 2.000 m, já se divisa a pista de pouso da cidade de Mariscal Estigarribia, em meio à ampla planície praticamente desabitada do Chaco paraguaio.
Mas é à medida que a avioneta Cessna se aproxima que a total dimensão da pista toma forma. São 3.680 m de comprimento e 75 m de largura que se converteram no foco da polêmica sobre a presença militar americana no Paraguai e as supostas intenções de Washington de estabelecer aí uma base permanente. Sua extensão é maior mesmo que a da própria cidade que se estabeleceu ao lado.
Denominado "Aeroporto Professor Dr. Luis Maria Argaña", o local possui na cabeceira da pista um amplo hangar. Dentro, um trator e alguma outra maquinaria agrícola. O radar está inativo.
Um conjunto de salas em condições de manutenção precárias serve de recepção para eventuais viajantes e abriga a torre de controle do tráfego aéreo do aeroporto. A segurança do local fica a cargo da Força Aérea paraguaia, enquanto o Departamento Nacional de Aviação Civil o administra.
Segundo fontes militares, a pista tem capacidade para atender aparelhos de grande porte como bombardeiros B-52 e aviões de carga C-5 Galaxy. É certamente subaproveitada pela Força Aérea do Paraguai, que opera apenas aviões de pequeno e médio porte, como Xavantes e Cessnas.
"É uma pista fenomenal", disse o major Ramón Ignacio Duarte, da Força Aérea, que recepcionou a reportagem da Folha no local, na última quarta-feira. "Mas o movimento é escasso. Neste ano, não mais de 80 aeronaves utilizaram essa pista." A maioria, diz, são vôos rotineiros dos fazendeiros que vivem nas redondezas.
A poucos metros da base, está uma área de camping à beira do lago que leva o nome da cidade, onde preguiçosamente duas ou três famílias, com crianças e cachorros, faziam piqueniques -uma cena bucólica destacada da atmosfera desoladora que prevalece em Mariscal Estigarribia.
A cidade tem cerca de 3.000 habitantes, mas o aspecto é de um vilarejo fantasma de faroeste em que a poeira amarelada recobre as casas e a escassa vegetação, num calor sufocante de mais de 40 C.
As únicas vias asfaltadas são a que leva ao aeroporto e a que comunica Paraguai e Bolívia. As demais, todas de chão batido -o asfalto da pista provavelmente daria para a cidade inteira.
As casas são humildes, a maioria de tijolinhos, e algumas, de madeira. As melhores são as que compõem a pequena vila militar que abriga os membros do Terceiro Corpo do Exército paraguaio, que tem um quartel ali.
Com essas condições, qualquer presença de militares estrangeiros seria imediatamente notada. A pergunta óbvia é: que faz aí uma pista de tamanha envergadura?
"É preciso ver o que eles tinham na cabeça naquela época", desconversa o major Duarte. A pista foi construída em 1982, sob a ditadura de Alfredo Stroessner, sendo reformada nos anos 90. Mas acrescentou: "Estamos no eixo do continente americano. É um local estratégico comercial e militarmente". "A pista é utilizável o ano todo. A estrutura e a dimensão dão para todo tipo de aeronave. Estamos a 2h30 de Buenos Aires e a 1h de Santa Cruz de la Sierra", disse. A maior vantagem, afirma, é que tem condições de uso imediato em caso de "emergências".

Rumores
Mas se a presença de militares americanos em Mariscal ainda não se concretizou, já é motivo de preocupação, desconfiança e especulação para seus habitantes.
"Já escutamos que virão americanos. Ainda não vimos. Não sabemos se é certo ou se foi inventado. Estamos inseguros entre acreditar ou não", disse Francisco Ruiz, diretor de escola. "Pelo que acompanhamos, querem usar o aeroporto como ponto de passagem para outros países e meio de controlar o sul da América."
Na incerteza, Ruiz vê benefícios e riscos na eventual presença americana. "É positivo que venham compartilhar experiência com os colegas paraguaios. Nossas forças necessitam capacitação de outros militares", afirmou. "A parte ruim é que trazem outros costumes e forma de vida. Vão deixando filhos pelo caminho sem assumir a responsabilidade."
Mesmo entre os militares a questão causa polêmica. "É muito grave para a soberania de um país se não pode usar suas leis", disse um militar que não quis se identificar, em referência à imunidade dada às forças americanas que participam de exercícios no país.

Ingerência
O prefeito de Mariscal, Hermann Ratzlaff Klippenstein, tenta relativizar. "O povo exagera. O que há é uma cooperação entre os Exércitos paraguaio e americano", disse, em referência aos exercícios conjuntos e ações humanitárias, aprovados pelo Congresso paraguaio. No próximo dia 5, nova rodada de exercícios antiterrorismo começará em Cerrito, na região do Chaco, com 40 homens e duração de quatro semanas.
"Não sei sobre a instalação de uma base em Mariscal. Mas também não me assustaria se, de repente, eles [americanos] viessem se instalar aqui. Não é por isso que temos de pensar que haverá uma guerra regional. Uma ingerência pode ser positiva se negociada."
Para ele, o perigo não vem de fora, e sim da América do Sul. "Há correntes que se dizem socialistas mas podem ser outra forma de domínio autoritário", disse, sem especificar. "E um país de Primeiro Mundo não pode permitir isso, que põe em risco a convivência."

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