São Paulo, sexta-feira, 02 de novembro de 2001

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ENTREVISTA

"Há um perigo de que o mundo tenha mudado para pior", diz a secretária-geral Irene Khan

Anistia vê ameaça a direitos humanos

MARCELO STAROBINAS
DE LONDRES

O movimento em defesa dos direitos humanos foi prejudicado pelos atentados nos EUA e por suas consequências, disse ontem à Folha Irene Khan, 44, secretária-geral da Anistia Internacional.
"Há um perigo de que o mundo tenha mudado para pior após o 11 de setembro", afirmou Khan. A seu ver, o preconceito contra muçulmanos e refugiados em geral e a aprovação apressada de leis de combate ao terror que ameaçam as liberdades civis no Ocidente são um retrocesso nos direitos adquiridos nas últimas décadas.
Foi a partir dessa conclusão que a Anistia, organização não-governamental sediada em Londres que há 40 anos reúne militantes em todo o mundo para combater abusos aos direitos humanos (principalmente aqueles cometidos por governos contra seus cidadãos), resolveu fazer ontem um chamado para que os direitos humanos sejam o principal fator a nortear a formação de um futuro governo afegão.
"Achamos que não vai haver estabilidade nem paz se os direitos humanos não forem tratados como a base para um acordo político duradouro", observou Khan, que assumiu o comando da Anistia em agosto, após ter trabalhado por 20 anos no Alto Comissariado da ONU para os Refugiados.
Nascida em Bangladesh, ela é a primeira mulher e a primeira pessoa da religião islâmica a liderar a ONG. Leia a seguir trechos da entrevista, concedida na sede da Anistia, em Londres.

Folha - A sra. acha que os direitos humanos têm sido deixados em segundo plano após os atentados?
Irene Khan -
Sim, temos a visão de que os direitos humanos foram colocados em segundo plano. O ênfase principal agora tem sido a segurança. Os governos têm a obrigação e o dever de proteger suas populações, mas é preciso haver um equilíbrio entre segurança e direitos humanos.

Folha - A sra. teme que os anos de trabalho para colocar os direitos humanos no topo da agenda internacional sejam perdidos?
Khan -
Publicamos um documento em outubro sobre o recuo no que diz respeito aos direitos humanos. Em primeiro lugar, houve os ataques racistas, a discriminação contra determinadas pessoas e grupos, a criminalização dos que buscam asilo político e dos refugiados. Depois, os governos passaram a aprovar legislação apressadamente para restringir direitos humanos. A coalizão internacional é positiva ao tentar lidar com as questões de segurança, mas pode se tornar uma coalizão negativa ao fazer com que outras questões envolvendo direitos humanos não recebam a atenção que merecem.
Assim, há claramente um perigo de que o mundo tenha mudado para pior como resultado do 11 de setembro. Há uma excelente oportunidade para que a coalizão internacional se concentre no lado positivo disso tudo, não só numa campanha contra o terrorismo, mas numa campanha pela paz e pelos direitos humanos.

Folha - Ao impedirem que o Taleban continue com abusos dos direitos humanos, Reino Unido e EUA não fazem o que vocês querem?
Khan -
Todos os grupos têm a obrigação de agir sempre dentro do espectro dos direitos humanos e da lei humanitária. Se nós, na busca por justiça, não respeitarmos o Estado de Direito e os direitos humanos, estaremos nos rebaixando ao nível daqueles contra os quais lutamos.

Folha - A sra. acha possível para os EUA derrotar o Taleban sem violar direitos humanos?
Khan -
Sim. Os EUA deveriam seguir as regras de um sistema de legislação humanitária construído precisamente para regular a conduta das partes em conflito. Assim, se estão numa guerra contra o Taleban, são obrigados a respeitar essas leis que eles e outros aprovaram ao longo dos anos.

Folha - Atacar o Taleban sem julgamento também constitui violação aos direitos humanos?
Khan -
Os EUA bombardeiam o Afeganistão não porque foi o Taleban que fez os ataques (de 11 de setembro), mas porque o país está dando abrigo à Al Qaeda. A Anistia não toma posição sobre se a decisão de iniciar a campanha militar é legítima ou não. Não somos uma organização pacifista.
O que nós queremos é evitar situações em que violações dos direitos humanos ocorram. Sabemos que, sempre quando há uma guerra, há perda de vidas. Por isso pedimos, após 11 de setembro, para que todos os governos tomassem as medidas possíveis para levar os responsáveis à Justiça sem pôr em risco vidas civis.

Folha - Existe algum grupo totalmente inocente no Afeganistão?
Khan -
Seria errado deduzir que todos no Afeganistão são culpados. Há grupos e indivíduos com credibilidade. Os afegãos sabem quem cometeu violações e quem não cometeu. Queremos uma liderança que trabalhe pelo bem-estar das pessoas.

Folha - O que deve ser feito para evitar a impunidade? A sra. está sugerindo a criação de um tribunal internacional para o Afeganistão?
Khan -
O que recomendamos é que uma comissão de especialistas seja formada, para estudar formas como as pessoas poderiam ser levadas a julgamento. Queremos também investigações.

Folha - A experiência que vemos com o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia mostra que se trata de um trabalho muito difícil. Será possível identificar e julgar essas pessoas?
Khan -
Sim. Não achamos que seja uma tarefa fácil. Mas não há soluções rápidas para essa situação. O importante é que, leve o tempo que levar, se as pessoas não forem responsabilizadas por suas ações, haverá uma forte probabilidade de vermos novos abusos.


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