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ENTREVISTA
"Há um perigo de que o mundo tenha mudado para pior", diz a secretária-geral Irene Khan
Anistia vê ameaça a direitos humanos
MARCELO STAROBINAS
DE LONDRES
O movimento em defesa dos direitos humanos foi prejudicado
pelos atentados nos EUA e por
suas consequências, disse ontem
à Folha Irene Khan, 44, secretária-geral da Anistia Internacional.
"Há um perigo de que o mundo
tenha mudado para pior após o 11
de setembro", afirmou Khan. A
seu ver, o preconceito contra muçulmanos e refugiados em geral e
a aprovação apressada de leis de
combate ao terror que ameaçam
as liberdades civis no Ocidente
são um retrocesso nos direitos adquiridos nas últimas décadas.
Foi a partir dessa conclusão que
a Anistia, organização não-governamental sediada em Londres
que há 40 anos reúne militantes
em todo o mundo para combater
abusos aos direitos humanos
(principalmente aqueles cometidos por governos contra seus cidadãos), resolveu fazer ontem um
chamado para que os direitos humanos sejam o principal fator a
nortear a formação de um futuro
governo afegão.
"Achamos que não vai haver estabilidade nem paz se os direitos
humanos não forem tratados como a base para um acordo político duradouro", observou Khan,
que assumiu o comando da Anistia em agosto, após ter trabalhado
por 20 anos no Alto Comissariado
da ONU para os Refugiados.
Nascida em Bangladesh, ela é a
primeira mulher e a primeira pessoa da religião islâmica a liderar a
ONG. Leia a seguir trechos da entrevista, concedida na sede da
Anistia, em Londres.
Folha - A sra. acha que os direitos
humanos têm sido deixados em segundo plano após os atentados?
Irene Khan - Sim, temos a visão
de que os direitos humanos foram
colocados em segundo plano. O
ênfase principal agora tem sido a
segurança. Os governos têm a
obrigação e o dever de proteger
suas populações, mas é preciso
haver um equilíbrio entre segurança e direitos humanos.
Folha - A sra. teme que os anos de
trabalho para colocar os direitos
humanos no topo da agenda internacional sejam perdidos?
Khan - Publicamos um documento em outubro sobre o recuo
no que diz respeito aos direitos
humanos. Em primeiro lugar,
houve os ataques racistas, a discriminação contra determinadas
pessoas e grupos, a criminalização dos que buscam asilo político
e dos refugiados. Depois, os governos passaram a aprovar legislação apressadamente para restringir direitos humanos. A coalizão internacional é positiva ao
tentar lidar com as questões de segurança, mas pode se tornar uma
coalizão negativa ao fazer com
que outras questões envolvendo
direitos humanos não recebam a
atenção que merecem.
Assim, há claramente um perigo de que o mundo tenha mudado para pior como resultado do 11
de setembro. Há uma excelente
oportunidade para que a coalizão
internacional se concentre no lado positivo disso tudo, não só numa campanha contra o terrorismo, mas numa campanha pela
paz e pelos direitos humanos.
Folha - Ao impedirem que o Taleban continue com abusos dos direitos humanos, Reino Unido e EUA
não fazem o que vocês querem?
Khan - Todos os grupos têm a
obrigação de agir sempre dentro
do espectro dos direitos humanos
e da lei humanitária. Se nós, na
busca por justiça, não respeitarmos o Estado de Direito e os direitos humanos, estaremos nos rebaixando ao nível daqueles contra
os quais lutamos.
Folha - A sra. acha possível para
os EUA derrotar o Taleban sem violar direitos humanos?
Khan - Sim. Os EUA deveriam
seguir as regras de um sistema de
legislação humanitária construído precisamente para regular a
conduta das partes em conflito.
Assim, se estão numa guerra contra o Taleban, são obrigados a respeitar essas leis que eles e outros
aprovaram ao longo dos anos.
Folha - Atacar o Taleban sem julgamento também constitui violação aos direitos humanos?
Khan - Os EUA bombardeiam o
Afeganistão não porque foi o Taleban que fez os ataques (de 11 de
setembro), mas porque o país está
dando abrigo à Al Qaeda. A Anistia não toma posição sobre se a
decisão de iniciar a campanha militar é legítima ou não. Não somos
uma organização pacifista.
O que nós queremos é evitar situações em que violações dos direitos humanos ocorram. Sabemos que, sempre quando há uma
guerra, há perda de vidas. Por isso
pedimos, após 11 de setembro, para que todos os governos tomassem as medidas possíveis para levar os responsáveis à Justiça sem
pôr em risco vidas civis.
Folha - Existe algum grupo totalmente inocente no Afeganistão?
Khan - Seria errado deduzir que
todos no Afeganistão são culpados. Há grupos e indivíduos com
credibilidade. Os afegãos sabem
quem cometeu violações e quem
não cometeu. Queremos uma liderança que trabalhe pelo bem-estar das pessoas.
Folha - O que deve ser feito para
evitar a impunidade? A sra. está sugerindo a criação de um tribunal
internacional para o Afeganistão?
Khan - O que recomendamos é
que uma comissão de especialistas seja formada, para estudar formas como as pessoas poderiam
ser levadas a julgamento. Queremos também investigações.
Folha - A experiência que vemos
com o Tribunal Penal Internacional
para a ex-Iugoslávia mostra que se
trata de um trabalho muito difícil.
Será possível identificar e julgar
essas pessoas?
Khan - Sim. Não achamos que
seja uma tarefa fácil. Mas não há
soluções rápidas para essa situação. O importante é que, leve o
tempo que levar, se as pessoas não
forem responsabilizadas por suas
ações, haverá uma forte probabilidade de vermos novos abusos.
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