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ALÉM DO TERROR
Expandir guerra requer nova estratégia
Capacidade de produzir armas de destruição em massa também pode atrair represália americana
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Com o futuro político afegão começando a ser delineado na conferência de Bonn e com o Taleban
quase derrotado no Afeganistão,
a "guerra ao terrorismo", declarada por George W. Bush logo após
os ataques suicidas de 11 setembro, pode ganhar novos alvos, como o Iraque, o Iêmen e a Somália.
Analistas ouvidos pela Folha indicam, no entanto, que, para tanto, a nova fase do esforço internacional contra o terrorismo, comandado por Washington, deve
sofrer uma alteração de estratégia:
os alvos deixam de ser exclusivamente países que apóiam o terrorismo e passam a englobar Estados que podem produzir armas
de destruição em massa.
"Com a virtual derrota do Taleban, a administração americana
passou a enfatizar a ameaça representada por armas de destruição em massa. O fato de que países como o Iraque [considerado
delinquente pelos EUA" possuem
capacidade de produzi-las é bastante preocupante. Após os atentados, a comunidade internacional percebeu que o risco não pode
ser negligenciado", analisou Ivo
Daalder, do Instituto Brookings.
Com efeito, o discurso pronunciado por Bush na última segunda-feira foi emblemático dessa
mudança de estratégia. Nele o
presidente dos EUA afirmou que
o Iraque e a Coréia do Norte devem permitir que funcionários
das Nações Unidas inspecionem
suas instalações de produção de
armas químicas ou biológicas.
Quanto a Bagdá, Bush indicou
que, se não autorizar as inspeções,
o governo iraquiano "descobrirá"
o que vai acontecer.
Desde 1998, o Iraque se recusa a
permitir a entrada de especialistas
da ONU, que, para Bagdá, trabalhavam como espiões dos EUA. O
país ainda teria, segundo alguns
especialistas, além de estoques de
armas químicas e biológicas, a capacidade de produzir armas nucleares. As afirmações de Bush
causaram furor na imprensa (oficial) iraquiana, que acusa Washington de inventar uma desculpa para atacar novamente o país.
Os dois Estados se enfrentaram
na Guerra do Golfo, em 1991.
Coalizão internacional
Contudo uma expansão da
"guerra ao terrorismo" a outros
países não seria facilmente aceita
pelos governos que compõem a
coalizão internacional formada
após 11 de setembro. Depois do
discurso de Bush, a França, a Alemanha, o Japão e até mesmo o
Reino Unido -o maior aliado
dos EUA na ofensiva militar contra o Afeganistão- expressaram
preocupação quanto a um alastramento do conflito.
Os analistas divergem quanto à
eventual anuência internacional à
expansão do combate ao terrorismo a outros Estados. "Há cerca de
12 anos, a rede terrorista Al Qaeda
[de Osama bin Laden, acusado de
ter orquestrado os atentados suicidas" começou a recrutar seus
membros e a treiná-los em diversos países, como o Iêmen, a Somália, o Sudão, a Líbia e, provavelmente, o Iraque", disse Martin
Edmonds, diretor do Centro para
Estudos sobre Defesa e Segurança
Internacional (Reino Unido).
"Se os EUA tiverem indícios suficientes que apóiem a tese de que
esses países ainda colaboram com
o terrorismo, caberá a seu serviço
diplomático convencer os outros
membros da coalizão internacional de que esse perigo tem de ser
erradicado. Não se trata de uma
tarefa impossível", acrescentou.
"Embora sua posição ainda não
seja totalmente clara, pois alguns
membros de seu governo provavelmente não se oporiam ao alastramento da guerra, não seria fácil
convencer o Reino Unido a dar
início a uma nova campanha militar vultosa, sobretudo se isso implicasse a abertura de outras frentes de batalha", declarou Anne-Marie Le Gloannec, diretora-adjunta do Centro Marc Bloch, um
centro de pesquisa franco-alemão
situado em Berlim.
"Quanto ao restante da União
Européia, a situação seria ainda
mais complexa, e a oposição aos
ataques, ainda mais clara. Apesar
de a Espanha e a Itália já terem indicado que apoiariam Bush em
quaisquer circunstâncias, a França, a Alemanha e vários outros
países da UE são contrários a essa
possibilidade. Não podemos esquecer que Paris e Berlim têm de
preocupar-se com questões domésticas de peso, afinal, há eleições cruciais em 2002 tanto na
França quanto na Alemanha."
Além disso, a reação dos países
árabes, que já enfrentam certa
oposição interna por causa de seu
apoio à retaliação contra o Taleban, também é incerta. Na última
terça-feira, Amr Moussa, secretário-geral da Liga Árabe, que reúne
22 Estados, sustentou que os árabes não aceitariam uma extensão
da "guerra ao terrorismo" ao Iraque e que isso poderia provocar o
colapso da coalizão internacional.
De qualquer modo, o Iraque parece ser a bola da vez em Washington. Ademais, por razões
geopolíticas ligadas à Coréia do
Sul, um ataque à Coréia do Norte
pode ser excluído. E, na administração americana, vozes influentes defendem uma ofensiva contra o ditador Saddam Hussein.
Entre as mais ativas estão a do
subsecretário da Defesa, Paul
Wolfowitz, e a da poderosa assessora para assuntos de segurança
nacional Condoleezza Rice. Até
mesmo o secretário de Estado,
Colin Powell, considerado moderado, já disse que Saddam deveria
levar a sério a ameaça de Bush.
Analistas políticos veiculam até
a possibilidade de Washington
dar mais apoio financeiro e logístico à oposição iraquiana, como
fez com a Aliança do Norte.
Ofensiva "cirúrgica"
No que se refere à Somália, ao
Sudão e ao Iêmen, a situação é diferente. Nesses casos, nenhum especialista reputado arriscaria descartar a possibilidade da ocorrência de ataques "cirúrgicos" -precisos e específicos no jargão militar- a campos de treinamento
ou a possíveis bases de grupos extremistas ligados à Al Qaeda.
"Se os EUA decidirem dar início
a uma ofensiva contra um desses
países, não será nada como o que
vimos até agora no Afeganistão.
Quando fala em agir, Bush não
quer dizer depor os governos somali, sudanês ou iemenita", salientou Edmonds.
"Está implícito que qualquer
ataque visaria a destruir campos
de treinamento usados por terroristas. Aliás, também está subentendido que os ataques ocorreriam com a aprovação desses governos, que poderiam levar vantagens financeiras com isso."
Para tanto, os serviços secretos
americano e britânico já começaram a coletar indícios que possam
provar a existência de campos terroristas nesses países. De acordo
com o jornal britânico "The Sunday Times", os militares dos dois
países já começaram a preparar-se embora os alvos ainda não estejam definidos, e os primeiros ataques podem ocorrer no final de
janeiro caso o conflito no Afeganistão já esteja resolvido.
Especialistas consideram o Iêmen -onde 17 americanos morreram num atentado suicida ao
destróier USS Cole no ano passado- o alvo mais provável de um
primeiro ataque. Afinal, simpatizantes da Al Qaeda, incluindo
muitos que fizeram estágios no
Afeganistão, teriam montado bases nas montanhas do norte do
país, onde existiriam campos de
treinamento de terroristas.
Uma ofensiva na Somália não
pode, porém, ser descartada, já
que serviços secretos europeus
-sobretudo o francês- conseguiram obter pistas que descrevem o país como um possível refúgio para membros da Al Qaeda.
"Serviços de inteligência europeus acreditam que a Somália
possa abrigar simpatizantes de
Bin Laden que consigam fugir do
Afeganistão", indicou John Reppert, da Universidade Harvard.
Assim, o Sudão deve ser poupado num primeiro momento. Uma
"equipe técnica" dos EUA deve
visitar o país ainda nesta semana,
levando detalhes de propostas de
cooperação feitas pelo enviado especial americano para o Sudão, o
ex-senador John Danforth.
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