São Paulo, quinta-feira, 03 de fevereiro de 2011

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"Vamos tomar a praça", gritava turba

Manifestantes utilizam placas, madeira e pedras; reação do ditador começa após propaganda na TV estatal

À paisana, policiais na praça Tahrir, centro dos protestos, prometiam se sacrificar em nome do ditador egípcio

DO ENVIADO AO CAIRO

O ditador do Egito, Hosni Mubarak, 82, lançou ontem uma violenta ofensiva contra o movimento que exige sua saída do cargo, coordenando um ataque de seus simpatizantes contra milhares de manifestantes oposicionistas acampados no centro da capital, Cairo.
Como resultado, a praça Tahrir, epicentro da revolta antigoverno iniciada há dez dias em todo o país, transformou-se em cenário de uma batalha que deixou ao menos três mortos e 1.500 feridos.
A violência aumentou ao anoitecer. Até o fechamento desta edição, choviam pedras e coquetéis molotov dos dois lados, e havia alguns incêndios em prédios na praça.
Os grupos pró e contra Mubarak estavam separados por cerca de 100 metros.
A ação do governo para pôr fim ao levante começou a ser delineada em discurso feito anteontem pelo ditador, no qual Mubarak, no poder desde 1981, anunciou que não concorreria a um oitavo mandato seguido nas eleições presidenciais de setembro -pleitos no Egito são amplamente vistos como manipulados pelo governo.
O movimento anti-Mubarak rejeitou o anúncio e prometeu seguir protestando por sua saída imediata.
O Exército, visto com simpatia pela oposição, reagiu pedindo aos manifestantes que abandonassem a praça, num possível sinal antecipado dos transtornos por vir.
Em meio a um bombardeio de propaganda pró-Mubarak na TV oficial, dezenas de pessoas se aglomeraram na manhã de ontem em frente ao complexo de prédios que abriga parte da imprensa nacional e estrangeira.
Pessoas carregando retratos do ditador gritavam "não vá embora" e "com minha alma e meu sangue, me sacrificarei por ti, ó Mubarak".
Horas depois, o número de simpatizantes do regime chegava a milhares. Surgiram então os primeiros gritos de "vamos todos tomar Tahrir".

CHUVA DE PEDRAS
Uma gigantesca coluna começou a marchar rumo à praça, a menos de um quilômetro. O choque frontal das massas ocorreu no início da tarde, na avenida Menet Bacha, que termina na praça.
Após as primeiras trocas de socos e pontapés, manifestantes começaram a quebrar a calçada com o intuito de formar pedras para serem jogadas contra os inimigos.
A Folha viu também pessoas desmontando cartazes para usar a estrutura de metal e madeira como paus.
Um caminhão militar teve o parabrisa quebrado por pessoas que queriam usar estilhaços como armas.
As multidões pró e antigoverno avançavam alternadamente, umas contra as outras, numa incontrolável movimentação de massas.
Numa cena surreal, as fileiras pró-Mubarak se abriram para deixar passar homens com paus e lanças e montados em cima de cavalos e camelos, que avançaram a toda velocidade para cima dos anti-Mubarak.
O ataque derrubou dezenas de pessoas e dispersou por alguns instantes o campo oposicionista, a olho nu sempre mais numeroso.
Soldados a bordo de tanques estacionados há dias na praça não se mexiam. Não havia nenhum policial visível nas ruas.
Alguns militantes corriam entre a multidão levando caixas de legumes cheias de tijolos e pedaços de calçadas até a linha de frente, que arremessava os projéteis ininterruptamente.
Árvores em volta da avenida estavam em chamas. Disparos de armas eram ouvidos com frequência.
A todo instante, a multidão se abria para deixar passar grupos de homens carregando os feridos da linha de frente, quase todos jovens atingidos na cabeça por pedras. Alguns gemiam de dor.
Os feridos eram levados até ambulâncias estacionadas na retaguarda. Alguns iam a hospitais, outros voltavam ao campo de batalha após receber curativos. No chão, marcas de vômito.

INTERVALO PARA REZA
No meio do empurra-empurra, dezenas de pessoas nos dois lados interrompiam as hostilidades para rezar em direção à Meca.
Os manifestantes pró-governo eram quase todos homens aparentando idade entre 20 e 40 anos, o que reforça suspeitas de que muitos eram funcionários do Estado, especialmente do tentacular aparato de segurança.
Há relatos de que agentes à paisana ofereciam dinheiro (até US$ 83, segundo a TV Al Arabiya) a quem se dispusesse a integrar os protestos.
Analistas também afirmam que os manifestantes pró-governo eram os mesmos que haviam cometido os saques do último fim de semana, incluindo prisioneiros libertados em meio ao caos.
Apesar da hostilidade aberta contra jornalistas estrangeiros, a Folha conversou com alguns simpatizantes do governo.
"Amamos nosso país e nosso presidente. Somos parte da maioria silenciosa que sabe o valor do nosso governo", disse o empresário Fawzi Haddawi, 56.
A médica Salwa Benghazir, 30, começou a chorar ao conversar com a reportagem. "Passei a vida inteira em um país calmo, estável e sem problemas. Olhe como estão as coisas hoje, não quero isso", declarou.
O trabalhador de informática Mohamed Yassir, 26, disse que o ditador "já entendeu o recado".
"Chega de distúrbios, chega de bagunça. Mubarak já disse que vai embora, o que mais eles querem?". (SAMY ADGHIRNI)


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