São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Atentados em Bagdá e Karbala deixaram mais de 440 feridos; luto oficial adia ratificação da Constituição

Ataques matam 170 em feriado xiita

DA REDAÇÃO

Uma série coordenada de ataques suicidas e atentados com morteiros deixou ao menos 170 mortos e 440 feridos na manhã de ontem no Iraque, marcando o dia em que os xiitas celebravam o feriado religioso da Ashura como o mais sangrento do pós-guerra. À noite, o saldo de mortos ainda era desencontrado, superando os 200 em alguns relatos.
O alvo foram as multidões de fiéis que celebravam a data, em Bagdá e Karbala, cidade sagrada para essa corrente muçulmana e onde havia ao menos 2 milhões de xiitas de vários países.
A escolha da Ashura -que marca a morte do imã Hussein, neto de Muhammad, em uma batalha em Karbala e é um dos principais eventos do calendário xiita- para a execução dos atentados dá corpo ao temor de que terroristas islâmicos estejam buscando fomentar uma guerra civil.
Essa hipótese ecoou entre os membros do Conselho de Governo Iraquiano, que relacionaram o episódio a uma carta apreendida em janeiro na qual um militante islâmico, supostamente Abu Musab al Zarqawi, pedia a ajuda da Al Qaeda (a rede terrorista responsável pelo 11 de Setembro) para detonar um confronto entre a maioria xiita, reprimida durante a ditadura sunita de Saddam Hussein (1979-2003), e a minoria sunita. A celebração da Ashura era proibida no regime deposto.
"A guerra civil que Zarqawi quer infligir à população iraquiana não vai dar certo. Zarqawi fracassou, seu bando e seus planos malignos fracassaram", disse Mowaffaq al Rubaie, um dos representantes xiitas no Conselho de Governo Iraquiano.
O aiatolá Ali al Sistani, principal líder xiita do país, emitiu um comunicado oficial pedindo união e criticando os americanos por não ter havido reforço de segurança para as celebrações. Segundo informações do comando americano, os ataques ocorreram quase ao mesmo tempo em Bagdá e Karbala, por volta das 10h (hora local).
Na capital, 58 pessoas foram mortas quando três terroristas suicidas se explodiram perto da mesquita de Kadhimiya. Um quarto suicida teria sido detido.
Em Karbala, 110 km ao sul, explodiram um homem-bomba, morteiros e bombas escondidas em carroças e latas de lixo, deixando 112 mortos nas imediações do mausoléu de Hussein. Entre as vítimas, há 22 iranianos e várias mulheres e crianças. Ao todo, ao menos 440 pessoas foram feridas.
Abdel Aziz al Hakim, outro representante xiita no conselho, afirmou que um atentado semelhante foi interceptado e evitado na cidade sagrada de Najaf.
O administrador provisório do Iraque, o diplomata americano Paul Bremer, disse em nota que "os terroristas querem violência sectária porque esse é o único modo pelo qual poderiam deter a marcha em direção à democracia que tanto temem".
O comando militar americano já havia advertido em novembro, diante da aprovação do cronograma que fixou a devolução da soberania iraquiana em 30 de junho, que os meses antecedendo a transição política seriam especialmente violentos na tentativa final de impedi-la.
Fevereiro foi o mês mais violento do pós-guerra para os iraquianos - quase 300 foram mortos em atentados. Além disso, o mês marcou uma inversão de alvos que vinha se anunciando -iraquianos que colaboram com a ocupação passaram a ser muito mais visados do que as próprias forças ocupantes.
Os ataques às tropas dos EUA recuaram mais de 70% nos últimos três meses. Mesmo assim, continuam a fazer vítimas. Ontem, um soldado morreu quando foi atingido por uma granada em Bagdá, elevando as baixas americanas para 548.
O momento do atentado não só é ligado à celebração xiita como coincide com a aprovação da Constituição interina que regerá o país nos próximos meses, até que a Carta definitiva seja promulgada, antes do fim de 2005.
O texto, concluído com atraso devido à dificuldade em obter consenso no segmentado conselho iraquiano, seria sancionado hoje. Mas, com os ataques, sua assinatura fica adiada ao menos pelos três dias de luto oficial.
Os pontos da Carta interina divulgados extra-oficialmente até agora deixaram entrever o que analistas classificaram como uma Constituição bastante liberal em comparação com a de outros países islâmicos da região.
Entre outras coisas, o texto define o islã como religião oficial, mas não o reconhece como base legal do país, e fixa como meta uma participação feminina de 25% na Assembléia nacional.


Com agências internacionais

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