São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2008

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Kasparov critica apoio ocidental ao Kremlin

ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

Rosto mais conhecido da oposição russa fora do país, o enxadrista Garry Kasparov critica duramente os líderes do Ocidente por apoiarem o regime de Vladimir Putin. Segundo ele, esse amparo permitiu ao Kremlin chegar à "destruição final da democracia" na Rússia.
Em entrevista exclusiva à Folha, por e-mail, o ex-campeão mundial de xadrez, 44, símbolo da "glasnost" de Mikhail Gorbatchov, admite que não é uma figura exatamente popular em seu país -como a conversa com qualquer russo permite deduzir. "A maioria nunca ouviu meus discursos." A saída, diz, é continuar protestando. Ontem ele tentou, sem sucesso. Amanhã haverá uma nova edição da "Marcha dos Dissidentes" em Moscou e outras cidades. (IGOR GIELOW)

 

FOLHA - Qual a sua opinião sobre a "unção" de Medvedev como sucessor de Putin?
GARRY KASPAROV
- Nunca foi uma questão se Putin e sua gangue iriam ou não ficar no poder. A única questão era como eles fariam isso e se haveria alguma objeção internacional à destruição final da democracia russa. Agora nós sabemos as respostas. O Ocidente vai dizer pouco e não fazer nada. É bem pouco provável que ele tenha alguma independência no futuro próximo. Putin um dia pode querer deixar o poder, mas só fará isso quando acreditar que está a salvo de represálias.

FOLHA - A Anistia Internacional acaba de divulgar relatório sobre a coerção a liberdades civis como os protestos de A Outra Rússia. O que o sr. espera para o futuro próximo?
KASPAROV
- A Anistia e outros grupos têm feito um trabalho excelente para mostrar incontáveis fraudes e falhas do regime. E daí? Putin e seus amigos só se preocupam com o dinheiro. Exceto que algum líder ocidental venha e ameace seus lucros, o que importa o que falam? Ameaçar investigação nas práticas bancárias e de comércio, ameaçar remoção do G7 se não houver reforma democrática, isso tudo poderia funcionar. O resto são só palavras.
A Rússia de Ieltsin foi autorizada a entrar no G7 como uma forma de encorajamento, para promover uma tendência democrática. Obviamente, isso falhou. Como Putin, e agora Medvedev, é aceito como igual pelos outros, fica muito difícil para nós argumentar que eles não são realmente democratas enquanto a propaganda do Kremlin os mostra sorrindo com [o presidente americano] George W. Bush, [o premiê britânico] Gordon Brown e outros.

FOLHA - Alguns analistas crêem que a oposição, mesmo em um ambiente político livre, não conseguiria enfrentar a popularidade de Putin numa eleição. O que o sr. acha?
KASPAROV
- Eu adoraria descobrir, é isso o que acho. Por ambiente político livre, entendo que deveríamos ter acesso à TV e a outros meios pela primeira vez em muitos anos. A diferença seria instantânea e dramática. O mito da popularidade de Putin é baseado em oito anos de propaganda constante e na intimidação contra a oposição.

FOLHA - O sr. é muito reconhecido no exterior, mas essa posição parece ser disputada aqui. Por quê?
KASPAROV
- A maioria dos russos nunca ouviu meus discursos políticos. Estou vetado da TV russa. Só apareço em uma estação de rádio. Nenhum jornal principal vai editar um editorial meu ou de qualquer colega pró-democracia. Mas também é verdade que muitos não percebem a conexão entre suas vidas e o sistema político daqui. Eles não tiveram poder por gerações, em muitos casos. O Kremlin diz a eles que a democracia sob Ieltsin foi um truque corrupto que não deve ser tentado de novo. Então, acho que vai levar tempo para reconectar as pessoas ao processo. Mas primeiro o processo precisa ser purificado.

FOLHA - O sr. teme por sua vida ou liberdade?
KASPAROV
- Depois de ser atacado e preso várias vezes, seria estúpido dizer que não tenho medo. Lógico que eu tenho, nós todos temos. Mas, se você decide fazer algo, como parar? Se vale a pena lutar pela democracia russa, e muitos estão indo às ruas para lutar por ela, como eu posso cair fora simplesmente porque eu posso? Isso não significa que eu queira ser um mártir. O Kremlin pode banir todos os eventos, decretar lei marcial, prender todo mundo. Mas isso iria colocar em perigo sua relação delicada com o Ocidente, onde está o dinheiro.


NA INTERNET
www.folha.com.br/080621
Leia a íntegra da entrevista



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