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ARTIGO
Que venha a revolução
THOMAS L. FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES", NO CAIRO
Quem lê a imprensa árabe
imagina que o mundo árabe
inteiro esteja enfurecido com a invasão americana do Iraque, e, até
certo ponto, isso é verdade. Mas
há algo que não se lê na imprensa:
por baixo da raiva também existe
uma curiosidade cética e hesitante -a curiosidade em saber se os
americanos realmente farão o que
prometem, ou seja, construir um
Iraque novo e mais livre.
Embora talvez não consigam
descrevê-lo, muitos árabes intuem que esta invasão norte-americana do Iraque é algo que nunca
antes viram -o lado revolucionário do poder dos EUA.
Permita que eu explique: para
os árabes, a cultura americana
-desde o blue jeans até "Baywatch"- sempre foi revolucionária, mas o poderio americano, desde a Guerra Fria, é usado apenas para conservar o status quo
nos países árabes, mantendo no
poder reis e autocratas árabes que
sejam amigáveis aos EUA.
Mesmo depois de terminada a
Guerra Fria e depois de os EUA
terem apoiado e comemorado o
florescer da democracia que
aconteceu desde o Leste Europeu
até a América Latina, o mundo
árabe ficou de fora. Nesta região,
em razão do desejo dos Estados
Unidos de uma oferta constante
de petróleo e de segurança para
Israel, os EUA continuaram a
apoiar o status quo e qualquer governo árabe que o preservasse.
De fato, a primeira Guerra do
Golfo buscou apenas expulsar
Saddam Hussein do Kuait para
restaurar a monarquia kuaitiana e
o fluxo de petróleo desse país. Isso
feito, os Estados Unidos deixaram
Saddam Hussein em paz.
Choque
É por esse motivo que a segunda
Guerra do Golfo está sendo um
choque tão grande para o pensamento árabe -algo comparável à
invasão do Egito por Napoleão ou
à Guerra dos Seis Dias. Mas pessoas diferentes se chocam de maneiras diferentes.
Para começar, há o choque sentido pelos liberais árabes, ainda
uma minoria muito pequena, que
não conseguem acreditar que os
EUA tenham finalmente aplicado
seu poder revolucionário no
mundo árabe. Eles querem desesperadamente que a invasão americana dê certo, porque acham
que o Iraque é grande demais para ser ignorado e que, portanto,
uma eleição para valer no Iraque
seria capaz de sacudir a região
árabe inteira.
Em segundo lugar, há o choque
dos árabes que formam a maioria
silenciosa. Eles reconhecem que
estão vendo o lado revolucionário
do poderio norte-americano, mas
o enxergam através de sua própria narrativa, que diz que os EUA
está tumultuando o status quo
não para erguer o mundo árabe,
mas para arrastá-lo para baixo, de
modo que se submeta a qualquer
coisa que os EUA e Israel possam
querer exigir.
É este o tema dominante na imprensa árabe: a idéia de que esta
guerra não passa, na verdade, de
uma versão nova do colonialismo
e do imperialismo.
A rede de televisão Al Jazeera,
quando descreve as ações americanas no Iraque, utiliza os mesmos termos com os quais narra as
ações israelenses na Cisjordânia:
diz que o Iraque se encontra sob
"ocupação" norte-americana e
que os iraquianos mortos são
"mártires".
Como observou Raymond
Stock, que vive no Cairo há muitos anos e é biógrafo do romancista egípcio Naguib Mahfouz, "as
pessoas aqui, especialmente a população que assiste aos canais árabes via satélite, são muito mais
bem desinformadas do que você
imagina".
"De modo geral, a imprensa
árabe lhes diz o que querem ouvir
e lhes mostra o que querem ver.
Existe uma narrativa que é profundamente "implantada", e jornalismo nenhum feito por repórteres "implantados" do outro lado
vai mudá-la. Apenas um Iraque
diferente poderá mudar isso",
afirma Stock.
Mas existe uma terceira linha de
pensamento: a das autoridades
egípcias, que são instintivamente
pró-americanas, mas estão chocadas pelo fato de a equipe Bush
se dispor a utilizar seu poderio revolucionário para tentar remodelar o Iraque.
As autoridades egípcias vêem
essa tentativa como inútil, porque, para elas, o Iraque é um país
tribal, congenitamente dividido,
que só pode ser governado com
mão de ferro.
Sorriso
Qual visão vai acabar revelando
ser a mais acertada depende de
como a situação se desenrolar no
Iraque -e, acredite, todo o mundo está atento para isso.
Passei a tarde numa aula de estudos americanos na Universidade do Cairo. O professor, Mohammed Kamel, resumiu o clima
dominante: "Em 1975, Richard
Nixon veio para o Egito, e o governo levou enormes multidões para
as ruas. Alguns americanos zombaram de Nixon por isso, e Nixon
se defendeu, dizendo: "Você pode
obrigar as pessoas a sair às ruas e
dar as boas-vindas a um líder estrangeiro, mas não pode obrigá-las a sorrir".".
"É possível que, com o tempo,
os iraquianos parem de opor resistência aos EUA. Mas isso não
fará esta guerra ser legítima. O
que os Estados Unidos precisam é
levar os iraquianos a sorrir. Se vocês conseguirem isso, as pessoas
vão considerar esta invasão um
sucesso", continuou o professor.
Há muita coisa em jogo nesse
sorriso, disse Kamel, porque esta
é a primeira "guerra árabe-americana". Não se trata de árabes e israelenses, desta vez. Trata-se de os
EUA entrarem no mundo árabe
-entrarem não apenas com seu
poderio ou cultura, mas com seus
ideais. É uma guerra em torno daquilo que os EUA representam.
"Se ela der errado", concluiu
Kamel, "se vocês não cumprirem
o que prometeram, isso terá um
impacto realmente grande. As
pessoas não apenas dirão que a
política dos EUA é errada, mas
que suas idéias são falsas, que os
americanos não acreditam de fato
nelas ou não sabem como colocá-las em prática".
Em outras palavras, precisamos
concluir a paz melhor do que iniciamos a guerra.
Tradução Clara Allain
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