São Paulo, quinta-feira, 03 de abril de 2008

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Locaute argentino é suspenso após 21 dias

Produtores rurais decidem interromper paralisação contra aumento de imposto por 30 dias para reiniciar negociação com governo

Manifestações incluíram panelaços e configuraram a "crise mais grave" que os Kirchner já tiveram de enfrentar, afirma analista

Andres Stapff/Reuters
Produtores rurais em Gualeguaychu, "núcleo duro' do locaute, protestam antes de suspensão

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

Depois de 21 dias de protestos, os produtores agropecuários argentinos decidiram ontem suspender o locaute rural por 30 dias para iniciar as negociações com o governo, mantendo, no entanto, o "estado de mobilização".
"Vamos seguir pressionando e buscando as soluções de que precisamos. Se não, voltamos às estradas", disse Mario Llambías, presidente das Confederações Rurais Argentinas (CRA), uma das quatro entidades por trás do locaute.
A decisão foi tomada em uma assembléia com a presença de milhares de produtores, em Gualeguaychu, o núcleo mais radical do locaute, e foi marcada por críticas ao governo.
O protesto contra o aumento dos impostos sobre a exportação de grãos promoveu bloqueios em cerca de 400 pontos de estradas do país, impedindo a passagem de caminhões com alimentos e gerando desabastecimento. Todas as estradas foram liberadas ontem.
Os líderes agrícolas abriram espaço para o diálogo, mas não deixaram de reagir ao discurso da presidente Cristina Fernández de Kirchner, que na terça citara um locaute semelhante ocorrido um mês antes do golpe que implantou a última ditadura militar no país, em 1976.
"Não somos golpistas, não somos oposição, não temos fins políticos. Somos só homens do campo", disse o presidente da Sociedade Rural Argentina (SRA), Luciano Miguens. "Ficar com a carteira do povo para engrossar o caixa, isso sim é ser golpista", disse o produtor Juan Etcheverría, representante dos "autoconvocados", agricultores que não são ligados a nenhuma entidade.

Segunda vez
Os produtores agropecuários já haviam suspendido o locaute temporariamente na última sexta, quando sentaram para negociar com o chefe-de-gabinete de Cristina, Alberto Fernández, e o ministro da Economia, Martín Lousteau. Mas retomaram um dia depois diante do que viam como propostas "sem consistência" do governo.
Na segunda, Lousteau apresentou um pacote de medidas aos pequenos produtores e explicou melhor a origem e o porquê do aumento de impostos. O governo diz que a medida visa inibir as exportações, que vêm batendo recordes devido à alta internacional dos preços dos alimentos, e assim garantir o abastecimento do mercado interno, contendo a inflação.
O locaute rural gerou perdas para o setor agropecuário, a indústria e o comércio, mas a conseqüência mais visível foi o desabastecimento. A carne sumiu de 90% dos mercados e açougues. Os argentinos são os principais consumidores per capita de carne bovina do mundo, com 74kg por pessoa ao ano.
Outros produtos, como frango, laticínios, verduras e azeite também escassearam.
A crise fez com que a presidente proferisse quatro discursos no período de uma semana. O primeiro, na terça-feira passada, quando qualificou os protestos do campo como "piquetes da abundância", gerou três dias de panelaços da classe média nas principais cidades do país. Os manifestantes entraram em confronto com piqueteiros que apóiam a presidente.

Crise mais grave
O abalo na imagem do governo fez com que movimentos da base de Cristina convocassem um grande ato com milhares de pessoas na tarde de anteontem em Buenos Aires para demonstrar a força do governo.
"Os Kirchner enfrentaram sua crise política mais grave desde que chegaram ao poder", afirma o analista Rosendo Fraga, lembrando que o governo de Cristina é visto como uma continuidade do de seu marido, Néstor (2003-2007).
Segundo o analista, a esperança de que Cristina seria mais conciliadora "foi demolida com o conflito e a atitude da presidente frente a ele".
Com a atenção da sociedade que ganhou o campo e o fim do locaute conseguido por Cristina, ele decreta um "empate" na disputa, mas destaca que o que houve foi uma "trégua" entre as partes e que as próximas semanas serão definitivas para a solução do problema.

Brasileira
A polícia argentina confirmou que a brasileira Priscila Pereira Camargo Gomes, 19, morreu atropelada, na noite de terça, em uma estrada em Gualeguaychu, 240 km ao norte de Buenos Aires. Natural de São Borja (RS), ela viajava com o namorado, Sidney Cuti, 35, na chamada rodovia do Mercosul.
O caminhão em que estavam parou devido ao bloqueio, e Priscila saiu para comprar comida em um posto. Ao voltar, "por distração", segundo o delegado de Gualeguaychu, foi atropelada por um ônibus. A família foi avisada e, ontem à tarde, levou o corpo para o Brasil.


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