São Paulo, sexta, 3 de abril de 1998

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CRIMES DE GUERRA
Maurice Papon, 87, recebe pena de dez anos de prisão por ter participado da deportação de judeus
França condena ex-colaborador nazista

RODRIGO AMARAL
de Paris

O francês Maurice Papon, 87, foi condenado ontem a dez anos de prisão por "cumplicidade em crimes contra a humanidade" cometidos durante a Segunda Guerra Mundial. A condenação marcou o fim de um processo que durou quase seis meses e cutucou velhas feridas da sociedade francesa.
Papon foi um funcionário do governo de Vichy, instalado na França com o apoio das tropas nazistas a partir de 1940. As acusações pelas quais foi condenado correspondem ao período em que foi secretário-geral do governo da Gironda, de 1942 a 44.
Nesse período, foram deportados 1.560 judeus de Bordeaux, a capital do Departamento, para campos de concentração onde a maioria foi exterminada. Papon, que era responsável pelos assuntos relacionados aos judeus da região, foi acusado de ter organizado as deportações.
Mais de meio século depois, Bordeaux também foi a sede de seu julgamento, que começou há quase seis meses (8 de outubro de 97) e teve de ser interrompido diversas vezes, devido a problemas de saúde do réu e, em março, devido à morte de sua mulher, Paulette.
A última sessão, iniciada na quarta-feira no tribunal de ações criminais de Bordeaux, durou mais de 19 horas -motivo pelo qual o veredicto acabou sendo divulgado somente ontem.
Cerca de 200 pessoas acompanharam a sessão, muitas das quais pernoitaram no tribunal.
Cumplicidade
A pena pode ser considerada intermediária. Papon foi condenado por cumplicidade na prisão e no sequestro dos judeus deportados em quatro dos oito comboios que saíram de Bordeaux de 1942 a 1944.
Os parentes das vítimas e a acusação queriam uma pena de 20 anos e que Papon também fosse condenado por cumplicidade nos assassinatos daqueles judeus.
Para a defesa, Papon, ao organizar as deportações, ignorava que o destino dos judeus seria o que ficou historicamente conhecido como a "solução final", ou seja, a eliminação sistemática promovida pelo governo nazista.
Jean-Marc Varault, um dos advogados de defesa, afirmou que o veredicto foi "bastardo". A defesa divulgou que pode recorrer à Comissão Européia dos Direitos do Homem.
Em liberdade
Apesar da condenação, Papon não foi detido ontem e nem deve sê-lo nos próximos dias. Talvez nunca seja preso, por sua idade.
Logo no início do processo, o ex-funcionário de Vichy, que havia sido preso dias antes, recebeu o direito de permanecer em liberdade devido a sua idade e seu estado de saúde. Agora, o processo criminal vai para a última instância da Justiça francesa -a Corte de Cassação, que vai se pronunciar a respeito de procedimentos que são contestados pela defesa.



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