São Paulo, sábado, 03 de junho de 2006

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Medellín passa da violência à "paz armada"

Na cidade que já foi bastião do narcotráfico e símbolo da violência na Colômbia, são os "paracos" que garantem a segurança

Homicídios caíram de 361 para 32,5 para cada 100 mil habitantes em dez anos; vitória paramilitar sobre guerrilha é parte do porquê


CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A MEDELLÍN

Antes conhecida como a capital mundial da violência, a cidade colombiana de Medellín se transformou.
Um dado importante dá conta dessa mudança: em 1991, no auge da era do narcoterrorismo comandado por Pablo Escobar, a taxa de homicídios dolosos (com intenção) chegava a 361 para cada 100 mil habitantes.
Hoje, são 32,5 homicídios em cada 100 mil - quase o dobro da taxa da cidade de São Paulo, (18,21), mas suficiente, por exemplo, para levar a população a encher os bares e restaurantes à noite e permitir o trânsito relativamente seguro pela maior parte da cidade.
"Veja só", diz um motorista apontando para as patrulhas militares à beira da estrada entre os municípios de Medellín e Río Negro. "Antes não era possível transitar por aqui sem ser parado pela guerrilha. Agora, circulamos por toda parte."
O início do processo de desmobilização dos grupos paramilitares de extrema-direita das AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia) é parte da explicação dessa transformação.
Em 2003, foram desmobilizados os poderosos blocos Cacique Nutibara e Heróis de Granada, comandados pelo narcoparamilitar "Don Berna", atualmente preso, com o compromisso de cessar suas atividades ilícitas. Hoje, já são 4.098 os desmobilizados de diversos blocos que fazem parte do Programa de Paz e Reinserção promovido pela Prefeitura.
Outra explicação foi o impulso dado pelo governo do presidente Álvaro Uribe à política de "segurança democrática", levando forças públicas a áreas em que antes eram ausentes.
Em 2002, duas operações militares forçaram a expulsão de milícias urbanas das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e do ELN (Exército de Libertação Nacional) de seu principal reduto, a Comuna 13. Já nesse ano, a taxa de homicídios baixou para 182.
Mas um fator crucial tem pouco a ver com a ação do Estado. "Os grupos das autodefesas ganharam a guerra que se desatou com as milícias que operavam na cidade de Medellín", conta Jairo Herrán Vargas, chefe da Personería de Medellín, um órgão de direitos humanos ligado à Prefeitura.
"Houve confrontos muito intensos que terminaram com as AUC deslocando, eliminando ou cooptando os milicianos, ou seja, membros dessas milícias passaram a fazer parte das autodefesas", acrescentou.
Hoje são elas, as máfias dos paramilitares ligados ao narcotráfico -os "paracos", na gíria local- que "garantem" a segurança na cidade, com um acordo tácito de não agressão.
A desmobilização, reconhecem as autoridades, não foi total: muitos grupos mantiveram uma "reserva" de armas. Além disso, o processo legitimou a autoridade que os comandantes já tinham em seus bairros.
"Nosso máximo comandante Adolfo Paz [Don Berna] deu a ordem para diminuir a intensidade de conflito. Temos de ter uma ação mais social, mais política que militar", disse Fabio Acevedo, um dos comandantes da Corporação Democracia, de ex-paras.
Os grupos já não massacram como antes, mas ainda mantêm as intimidações, extorsões e tentativas de cooptação. Os jornalistas são alvos comuns. "Eles [paras] fazem comentários do tipo: "se eu não tivesse me desmobilizado, te matava'", contou um deles.
Herrán Vargas nega, porém, que essa influência seja cabal. "Não se pode dizer que Medellín esteja paramilitarizada. O que existem são nichos de controle territorial que tradicionalmente esses grupos exerceram e que mantêm em alguns bairros da cidade."


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