São Paulo, sábado, 03 de junho de 2006

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"Tínhamos de resolver", diz ex-paramilitar

DA ENVIADA A MEDELLÍN

Rafael (nome fictício) tinha 20 anos quando se juntou aos paramilitares na sua região. "Entrei nas autodefesas quando saí do Exército. Queria experimentar a guerra e, no Exército, não tinha a experiência que queria ter", conta.
Hoje, aos 24 anos, e desmobilizado há cerca de dois meses, parece não estar muito convencido do processo. "Quem decidiu a desmobilização não fui eu, mas as altas cabeças do meu bloco. É interessante porque de todo modo a gente sente falta da vida civil", afirmou.
"Mas, por outro lado, se as autodefesas não estiverem aí para atacar a guerrilha, a guerrilha vai ter espaço e mais capacidade de conseguir seus objetivos e tornar nossa vida mais difícil do que era antes. Esse governo precisa dar um duro neles, apertar, humilhar."
Luiz Fernando, 32, que participava do poderoso bloco Cacique Nutibara, conta com naturalidade seu cotidiano paramilitar durante seis anos.
"Meu dia-a-dia era cumprir ordens, executar ações e operativos constantemente. Tinha de estar atento aos pontos nevrálgicos de Medellín onde havia mais roubos e estupros, onde as milícias estavam operando."
E como funcionava? "Usávamos as armas quando era preciso utilizá-las, quando tínhamos que endireitar alguém, alguém que já tinha demasiados antecedentes e já havia feito muito mal à sociedade. Tínhamos de resolver isso nós mesmos."
Mas Rafael responde com indignação quando questionado se havia matado muitas pessoas. O discurso, como o de Luiz Fernando, é de benfeitores.
"Não! Pessoas como eu e você, não. Matávamos guerrilha. Era um grupo que tínhamos de combater porque, para nós, é como uma praga que há neste país com a qual tínhamos de acabar. Tenho entendido que essa gente nos faz mal, que prejudica este país", diz.
Luiz Fernando também nega. "A minha parte era mais política, tentando ajudar as pessoas, a sociedade."
Sobre o apoio tácito do Estado a suas atividades, não falam. Ao contrário, justificam sua ação como reflexo da ausência da força pública.
Os dois também negam vínculos com o narcotráfico. "Tinha uns cultivinhos, realizava trabalhos para a organização e nada mais", diz Luiz Fernando, que hoje trabalha em um centro de exposições em Medellín.
A vida, conta, mudou muito depois da desmobilização. "Agora podemos ficar perto da nossa família e fazer coisas que nunca pudemos fazer, como estudar e crescer mais intelectualmente." Seu filho de dez anos suicidou-se há um mês, enforcando-se.
Rafael reclama de não poder estudar. Trabalha vendendo produtos de beleza e mercadorias diversas como jeans e camisetas. "Tenho de manter minha mulher e minha mãe, mas o dinheiro é pouco. Nas autodefesas ganhava um salário e gratificações", afirma. (CVN)


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