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"Tínhamos de resolver", diz ex-paramilitar
DA ENVIADA A MEDELLÍN
Rafael (nome fictício) tinha 20 anos quando se juntou aos paramilitares na sua
região. "Entrei nas autodefesas quando saí do Exército.
Queria experimentar a guerra e, no Exército, não tinha a
experiência que queria ter",
conta.
Hoje, aos 24 anos, e desmobilizado há cerca de dois
meses, parece não estar muito convencido do processo.
"Quem decidiu a desmobilização não fui eu, mas as altas
cabeças do meu bloco. É interessante porque de todo
modo a gente sente falta da
vida civil", afirmou.
"Mas, por outro lado, se as
autodefesas não estiverem aí
para atacar a guerrilha, a
guerrilha vai ter espaço e
mais capacidade de conseguir seus objetivos e tornar
nossa vida mais difícil do que
era antes. Esse governo precisa dar um duro neles, apertar, humilhar."
Luiz Fernando, 32, que
participava do poderoso bloco Cacique Nutibara, conta
com naturalidade seu cotidiano paramilitar durante
seis anos.
"Meu dia-a-dia era cumprir ordens, executar ações e
operativos constantemente.
Tinha de estar atento aos
pontos nevrálgicos de Medellín onde havia mais roubos e
estupros, onde as milícias estavam operando."
E como funcionava? "Usávamos as armas quando era
preciso utilizá-las, quando tínhamos que endireitar alguém, alguém que já tinha
demasiados antecedentes e
já havia feito muito mal à sociedade. Tínhamos de resolver isso nós mesmos."
Mas Rafael responde com
indignação quando questionado se havia matado muitas
pessoas. O discurso, como o
de Luiz Fernando, é de benfeitores.
"Não! Pessoas como eu e
você, não. Matávamos guerrilha. Era um grupo que tínhamos de combater porque, para nós, é como uma
praga que há neste país com
a qual tínhamos de acabar.
Tenho entendido que essa
gente nos faz mal, que prejudica este país", diz.
Luiz Fernando também
nega. "A minha parte era
mais política, tentando ajudar as pessoas, a sociedade."
Sobre o apoio tácito do Estado a suas atividades, não
falam. Ao contrário, justificam sua ação como reflexo
da ausência da força pública.
Os dois também negam
vínculos com o narcotráfico.
"Tinha uns cultivinhos, realizava trabalhos para a organização e nada mais", diz
Luiz Fernando, que hoje trabalha em um centro de exposições em Medellín.
A vida, conta, mudou muito depois da desmobilização.
"Agora podemos ficar perto
da nossa família e fazer coisas que nunca pudemos fazer, como estudar e crescer
mais intelectualmente." Seu
filho de dez anos suicidou-se
há um mês, enforcando-se.
Rafael reclama de não poder estudar. Trabalha vendendo produtos de beleza e
mercadorias diversas como
jeans e camisetas. "Tenho de
manter minha mulher e minha mãe, mas o dinheiro é
pouco. Nas autodefesas ganhava um salário e gratificações", afirma.
(CVN)
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