São Paulo, sábado, 03 de julho de 2004

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URNA ELETRÔNICA

Canal produz programa em que participantes farão campanha à Presidência; vencedor pode ter candidatura real

TV dos EUA faz "reality show" eleitoral

VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO

Não é de hoje que críticos do processo eleitoral americano dizem que o sistema se reduziu a um espetáculo midiático. Mas a próxima eleição dos EUA dará um passo à frente e se transformará, literalmente, em um "reality show": se depender dos planos do canal de TV por cabo Showtime, o presidente George W. Bush e o senador John Kerry vão enfrentar a concorrência de um candidato "do povo" no dia 2 de novembro.
O Showtime está produzindo um programa em que os dez participantes serão "candidatos" à Presidência. A partir de agosto, os concorrentes vão simular todas as etapas de uma campanha presidencial. A cada semana, por meio de votações pela internet ou por telefone, competidores serão eliminados até restar apenas um.
A idéia de um "reality show" desse tipo não é nova. Na Argentina, em 2002, já houve um programa similar, "O Candidato do Povo", em que o vencedor ganhava apoio para disputar uma vaga no Congresso.
O vencedor da disputa embolsará US$ 200 mil, terá conseguido uma enorme exposição em todo o país e, caso deseje seguir em frente, poderá inscrever de verdade seu nome na disputa.
O produtor R.J. Cutler afirma que a seleção dos candidatos procurou montar um arco variado de opções no que diz respeito a idade, sexo, raça, educação, origem socioeconômica e ideologia.

Ajuda profissional
As campanhas terão a ajuda de marqueteiros profissionais -incluindo Matt Bennett, ex-diretor de comunicações da pré-candidatura do general Wesley Clark- e terão veiculação nos intervalos da programação do canal.
Além de querer criar um sucesso de audiência, Cutler -responsável pela produção de um dos melhores documentários políticos já feitos nos EUA, "The War Room" (1993)- afirma ter objetivos nobres com seu projeto. "Esperamos que isso engaje as pessoas. Temos um grande problema neste país: as pessoas não ligam. Elas preferem assistir a coisas ruins na TV a levantar e ir votar."
"As campanhas já são por demais um gênero de entretenimento nos EUA. Qualquer coisa que contribua para a "hollywoodização" da política americana piora ainda mais uma situação que já é ruim", analisa Reuben Cohen, co-autor do livro "Shooting People: Adventures in Reality TV" (filmando -ou matando, há um trocadilho com a palavra "shooting"- pessoas: aventuras na TV da realidade).
Cohen também não se convence com o argumento de "engajamento": "Encoraja uma abordagem que coloca a personalidade acima da política e aumenta o controle já horrível que a TV exerce sobre as eleições americanas".
Mesmo que o programa seja um grande sucesso da televisão americana, serão ínfimas as chances de os EUA virem a ser governados por alguém do calibre de um Kléber Bambam.
O Showtime não atinge uma grande parcela dos lares americanos -é visto por cerca de 12 milhões de telespectadores (Bush foi eleito com 49 milhões de votos), e o próprio Cutler afirma que ficará bastante contente com uma audiência de 5 milhões. Além disso, apenas para citar uma dificuldade técnica, requisitos legais vão impedir que o nome do candidato apareça impresso nas cédulas de muitos Estados.
Isso não quer dizer, no entanto, que o programa não possa ser um fator decisivo na eleição. Se Ralph Nader, que teve apenas 2,9 milhões de votos em 2000, não tivesse concorrido, o presidente americano hoje seria Al Gore (pesquisas mostraram que a imensa maioria dos que votaram no candidato independente escolheria o democrata como segunda opção).
Alheio às críticas, o produtor Cutler rejeita qualquer afirmação de que sua criação vai vulgarizar o sistema eleitoral: "O que poderia ter depreciado o processo eleitoral seria Richard Nixon ter abusado do cargo e usado o FBI contra seus inimigos. O que poderia ter depreciado o cargo seria a omissão de Ronald Reagan, que permitiu a Oliver North montar um governo secreto. O golpe que o Congresso republicano tentou dar em Bill Clinton por causa de pecadilhos pessoais. Essas coisas poderiam depreciar o processo político e a instituição da Presidência. E sabe de uma coisa? Elas não depreciaram porque o processo é muito resistente, mais poderoso do que qualquer programa de TV".


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