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URNA ELETRÔNICA
Canal produz programa em que participantes farão campanha à Presidência; vencedor pode ter candidatura real
TV dos EUA faz "reality show" eleitoral
VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO
Não é de hoje que críticos do
processo eleitoral americano dizem que o sistema se reduziu a
um espetáculo midiático. Mas a
próxima eleição dos EUA dará
um passo à frente e se transformará, literalmente, em um "reality
show": se depender dos planos do
canal de TV por cabo Showtime, o
presidente George W. Bush e o senador John Kerry vão enfrentar a
concorrência de um candidato
"do povo" no dia 2 de novembro.
O Showtime está produzindo
um programa em que os dez participantes serão "candidatos" à
Presidência. A partir de agosto, os
concorrentes vão simular todas as
etapas de uma campanha presidencial. A cada semana, por meio
de votações pela internet ou por
telefone, competidores serão eliminados até restar apenas um.
A idéia de um "reality show"
desse tipo não é nova. Na Argentina, em 2002, já houve um programa similar, "O Candidato do Povo", em que o vencedor ganhava
apoio para disputar uma vaga no
Congresso.
O vencedor da disputa embolsará US$ 200 mil, terá conseguido
uma enorme exposição em todo o
país e, caso deseje seguir em frente, poderá inscrever de verdade
seu nome na disputa.
O produtor R.J. Cutler afirma
que a seleção dos candidatos procurou montar um arco variado de
opções no que diz respeito a idade, sexo, raça, educação, origem
socioeconômica e ideologia.
Ajuda profissional
As campanhas terão a ajuda de
marqueteiros profissionais -incluindo Matt Bennett, ex-diretor
de comunicações da pré-candidatura do general Wesley Clark- e
terão veiculação nos intervalos da
programação do canal.
Além de querer criar um sucesso de audiência, Cutler -responsável pela produção de um dos
melhores documentários políticos já feitos nos EUA, "The War
Room" (1993)- afirma ter objetivos nobres com seu projeto. "Esperamos que isso engaje as pessoas. Temos um grande problema
neste país: as pessoas não ligam.
Elas preferem assistir a coisas
ruins na TV a levantar e ir votar."
"As campanhas já são por demais um gênero de entretenimento nos EUA. Qualquer coisa que
contribua para a "hollywoodização" da política americana piora
ainda mais uma situação que já é
ruim", analisa Reuben Cohen, co-autor do livro "Shooting People:
Adventures in Reality TV" (filmando -ou matando, há um
trocadilho com a palavra "shooting"- pessoas: aventuras na TV
da realidade).
Cohen também não se convence com o argumento de "engajamento": "Encoraja uma abordagem que coloca a personalidade
acima da política e aumenta o
controle já horrível que a TV exerce sobre as eleições americanas".
Mesmo que o programa seja um
grande sucesso da televisão americana, serão ínfimas as chances
de os EUA virem a ser governados
por alguém do calibre de um Kléber Bambam.
O Showtime não atinge uma
grande parcela dos lares americanos -é visto por cerca de 12 milhões de telespectadores (Bush foi
eleito com 49 milhões de votos), e
o próprio Cutler afirma que ficará
bastante contente com uma audiência de 5 milhões. Além disso,
apenas para citar uma dificuldade
técnica, requisitos legais vão impedir que o nome do candidato
apareça impresso nas cédulas de
muitos Estados.
Isso não quer dizer, no entanto,
que o programa não possa ser um
fator decisivo na eleição. Se Ralph
Nader, que teve apenas 2,9 milhões de votos em 2000, não tivesse concorrido, o presidente americano hoje seria Al Gore (pesquisas mostraram que a imensa
maioria dos que votaram no candidato independente escolheria o
democrata como segunda opção).
Alheio às críticas, o produtor
Cutler rejeita qualquer afirmação
de que sua criação vai vulgarizar o
sistema eleitoral: "O que poderia
ter depreciado o processo eleitoral seria Richard Nixon ter abusado do cargo e usado o FBI contra
seus inimigos. O que poderia ter
depreciado o cargo seria a omissão de Ronald Reagan, que permitiu a Oliver North montar um
governo secreto. O golpe que o
Congresso republicano tentou
dar em Bill Clinton por causa de
pecadilhos pessoais. Essas coisas
poderiam depreciar o processo
político e a instituição da Presidência. E sabe de uma coisa? Elas
não depreciaram porque o processo é muito resistente, mais poderoso do que qualquer programa de TV".
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