São Paulo, sexta, 3 de julho de 1998

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RETRATAÇÃO
Rede de TV tinha acusado os EUA de usarem gás sarin durante a Guerra do Vietnã para matar desertores
CNN admite erro em reportagem

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
de Washington

A rede de TV a cabo CNN admitiu que estava errada a reportagem que veiculou com acusações de que as Forças Armadas dos EUA haviam usado gás sarin durante a Guerra do Vietnã para matar desertores norte-americanos.
A reportagem foi veiculada pela CNN, no dia 7 de junho, na estréia do programa "NewsStand" (banca de jornais), projeto conjunto entre a emissora e a revista "Time". Os dois veículos pertencem ao conglomerado Time Warner.
Versão menor e com abordagem menos taxativa do que a usada na TV saiu na edição da "Time" no dia seguinte. Diversos jornais do mundo, inclusive a Folha, reproduziram as informações conforme a versão veiculada pela CNN.
Segundo a emissora, as Forças Armadas dos EUA usaram gás sarin em ataque a uma vila no Laos, em 1970, como parte de missão secreta com o objetivo de matar desertores norte-americanos.
O consultor militar da CNN, general da reserva Perry Smith, disse que a reportagem era falsa e renunciou em protesto. Centenas de veteranos da Guerra do Vietnã também a desmentiram.
No dia 22 de junho, a "Time" anunciou que iria rever por conta própria o processo pelo qual os jornalistas da CNN haviam obtido suas informações. Três dias depois, a CNN contratou o respeitado advogado Floyd Abrams para fazer investigação independente.
Abrams anunciou os resultados de seu trabalho ontem. Ele concluiu que as provas disponíveis para sustentar a acusação eram "insuficientes" e que, ao contrário, havia muita evidência e testemunhos de que ela podia ser falsa.
A reportagem foi feita por uma das principais estrelas da CNN, o australiano Peter Arnett, de 63 anos, 45 de profissão. Arnett cobriu a Guerra do Vietnã para a agência "Associated Press" entre 1962 e 1975 e ganhou o prêmio Pulitzer, o mais prestigioso do jornalismo dos EUA, em 1966. Especializou-se como correspondente de guerra. Já pela CNN, foi o único jornalista ocidental a cobrir a Guerra do Golfo de Bagdá.
Tom Johnson, presidente da CNN, divulgou pedido de desculpas ao público e aos envolvidos no episódio. "O sistema de verificação de informações, que serviu à CNN excepcionalmente no passado, falhou neste caso. Reconhecemos que sérios erros foram cometidos devido ao uso das fontes que nos forneceram os primeiros relatos sobre o incidente no Laos."
A CNN, fundada em 1980 pelo empresário Ted Turner, foi a primeira emissora de TV a veicular programas jornalísticos 24 horas por dia. Ela está disponível em 71 milhões de domicílios nos EUA. Mas sua audiência média diária no país é de cerca de 300 mil pessoas.
Em 1996, todo o grupo Turner, inclusive a CNN, foi absorvido pela Time Warner, que pagou por ele US$ 7,3 bilhões e se tornou o segundo maior conglomerado da área de comunicação no mundo (só abaixo da Walt Disney-ABC).
Embora não tenham sido anunciadas punições funcionais, uma das produtoras do programa "NewsStand", Pamela Hill, renunciou a seu cargo.
O relatório de Abrams afirma que a reportagem de Arnett não contém mentiras, mas deixou de levar em consideração material disponível que contrariava os relatos de uso do gás sarin contra desertores.
A revista "Time", líder de vendas entre as semanais de informação nos EUA (4,1 milhões de cópias por semana, em média), também divulgou pedido de desculpas ao público pela reportagem. Fundada há 75 anos por Henry Luce e Briton Hadden, ela é um dos títulos mais famosos do jornalismo mundial.
"Os fatos simplesmente não sustentam a versão publicada (sobre o uso de gás sarin no Laos)", disse o editor-chefe da revista, Walter Isaacson, em seu comunicado público sobre o caso.



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