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MISSÃO NO CARIBE
Líder da maior entidade trabalhista do país diz que a tropa brasileira faz o "trabalho sujo" para os americanos
EUA usam Brasil no Haiti, acusa sindicalista
DE WASHINGTON
A principal líder do maior movimento trabalhista haitiano acusa o Brasil de fazer o "trabalho sujo" para os americanos no Haiti.
"O Haiti é um país apaixonado
pelo Brasil, e não foi por acaso que
foi escolhido para liderar a força
da ONU. O Brasil acabou mascarando a verdade", disse à Folha
Yannick Etienne, dirigente do Batay Ouvriye (batalha operária).
Guardadas as proporções, o Batay Ouvriye, o principal movimento trabalhista haitiano, é uma
mistura de PT com MST. Nos últimos meses, teve destaque internacional ao protagonizar uma
disputa envolvendo 370 demissões em uma zona de livre comércio do Haiti criada com dinheiro
do Banco Mundial e que fornece
jeans para a Levi's.
Etienne foi uma das principais
convidadas a participar do Fórum
Social de Boston, uma braço do
Fórum Social Mundial, que reuniu milhares de pessoas na Universidade de Massachusetts na semana passada.
Leia sua entrevista à Folha, concedida em Boston, na semana
passada, durante a convenção
presidencial democrata na cidade.
(FERNANDO CANZIAN)
Folha - Como os movimentos sociais no Haiti vêem a presença da
tropa brasileira enviada pela ONU?
Yannick Etienne - O que sentimos é que o Haiti está sob uma
ocupação estrangeira mascarada
pelo guarda-chuva da ONU. Os
EUA estão usando a ONU para fazer o trabalho sujo de forma a tentar fazer parecer que essa ocupação é algo aceitável.
Não existe nas ruas aquela face
imperialista dos marines, mas algo que tem um apelo internacional: uns rapazes jovens e simpáticos da América Latina fazendo o
trabalho de segurança. Mas é a superfície. A história verdadeira é
que estamos sob ocupação, e o
Haiti vai acabar se transformando
em um novo quintal dos EUA
com a conivência da ONU.
Folha - O Brasil está ajudando a
fazer esse "trabalho sujo"?
Etienne - Exatamente. E tudo se
passa de maneira muito mais
aceitável, pois o Haiti é um país
apaixonado pelo Brasil. Não creio
que tenha sido por acaso ou inocentemente que o Brasil tenha sido escolhido para liderar a força.
Folha - A sra. acha que a população haitiana também pensa assim?
Etienne - Essa é uma história
complicada. Por um lado, os brasileiros são vistos como parte dessa força de ocupação. De outro, as
pessoas acham que os brasileiros
não são tão maus e estão longe de
ser como os marines ou os franceses. Mas o que explica, por exemplo, o fato de a população não ter
aceitado o envio de tropas americanas ou francesas e ter reagido?
Com os brasileiros, as coisas ficaram mascaradas.
Folha - O Haiti não estaria caótico
hoje se não fossem as tropas estrangeiras?
Etienne - Sim e não. É preciso
entender que o Haiti, antes da
queda de Jean-Bertrand Aristide
[ex-presidente, que acusa os EUA
de tê-lo tirado do poder em fevereiro], esteve, na prática, sob o
controle de uma força rebelde armada. Algumas pessoas -e eu
não concordo com elas, pois vi
atrocidades sendo cometidas-
acreditavam que esses rebeldes
pudessem acabar controlando a
violência.
Isso não ocorreu, pois os americanos acabaram entrando na disputa e fizeram todo o possível para que os rebeldes não derrubassem Aristide. Pois os EUA é que
queriam se encarregar disso.
Aristide era um corrupto que
não cumpriu suas promessas e
que estava esmagando os movimentos sociais em benefício próprio. Já os rebeldes tinham agenda própria.
Não acredito que eles pudessem
ser a solução para o Haiti. Muitos
são assassinos oriundos das Forças Armadas e que cometeram
centenas de atrocidades. Não
eram e não são a solução, mas
parte do problema.
Folha - Como o país poderia sair
sozinho dessa situação, sem um
presidente e eventualmente controlado por rebeldes assassinos?
Etienne - O problema do Haiti
hoje é a fragilidade dos movimentos sociais. Nada emerge ainda
como uma força conjunta, como
uma alternativa autêntica.
O que a atual ocupação está fazendo, com a ajuda das tropas
brasileiras, é sufocar ainda mais
essa situação, não apenas o nosso
movimento, mas qualquer outra
alternativa interna.
A ocupação estrangeira atual está apenas pavimentando o caminho para os planos políticos e econômicos dos EUA no Haiti.
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