São Paulo, terça-feira, 03 de agosto de 2004

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MISSÃO NO CARIBE

Líder da maior entidade trabalhista do país diz que a tropa brasileira faz o "trabalho sujo" para os americanos

EUA usam Brasil no Haiti, acusa sindicalista

DE WASHINGTON

A principal líder do maior movimento trabalhista haitiano acusa o Brasil de fazer o "trabalho sujo" para os americanos no Haiti.
"O Haiti é um país apaixonado pelo Brasil, e não foi por acaso que foi escolhido para liderar a força da ONU. O Brasil acabou mascarando a verdade", disse à Folha Yannick Etienne, dirigente do Batay Ouvriye (batalha operária).
Guardadas as proporções, o Batay Ouvriye, o principal movimento trabalhista haitiano, é uma mistura de PT com MST. Nos últimos meses, teve destaque internacional ao protagonizar uma disputa envolvendo 370 demissões em uma zona de livre comércio do Haiti criada com dinheiro do Banco Mundial e que fornece jeans para a Levi's.
Etienne foi uma das principais convidadas a participar do Fórum Social de Boston, uma braço do Fórum Social Mundial, que reuniu milhares de pessoas na Universidade de Massachusetts na semana passada.
Leia sua entrevista à Folha, concedida em Boston, na semana passada, durante a convenção presidencial democrata na cidade. (FERNANDO CANZIAN)
 

Folha - Como os movimentos sociais no Haiti vêem a presença da tropa brasileira enviada pela ONU?
Yannick Etienne -
O que sentimos é que o Haiti está sob uma ocupação estrangeira mascarada pelo guarda-chuva da ONU. Os EUA estão usando a ONU para fazer o trabalho sujo de forma a tentar fazer parecer que essa ocupação é algo aceitável.
Não existe nas ruas aquela face imperialista dos marines, mas algo que tem um apelo internacional: uns rapazes jovens e simpáticos da América Latina fazendo o trabalho de segurança. Mas é a superfície. A história verdadeira é que estamos sob ocupação, e o Haiti vai acabar se transformando em um novo quintal dos EUA com a conivência da ONU.

Folha - O Brasil está ajudando a fazer esse "trabalho sujo"?
Etienne -
Exatamente. E tudo se passa de maneira muito mais aceitável, pois o Haiti é um país apaixonado pelo Brasil. Não creio que tenha sido por acaso ou inocentemente que o Brasil tenha sido escolhido para liderar a força.

Folha - A sra. acha que a população haitiana também pensa assim?
Etienne -
Essa é uma história complicada. Por um lado, os brasileiros são vistos como parte dessa força de ocupação. De outro, as pessoas acham que os brasileiros não são tão maus e estão longe de ser como os marines ou os franceses. Mas o que explica, por exemplo, o fato de a população não ter aceitado o envio de tropas americanas ou francesas e ter reagido? Com os brasileiros, as coisas ficaram mascaradas.

Folha - O Haiti não estaria caótico hoje se não fossem as tropas estrangeiras?
Etienne -
Sim e não. É preciso entender que o Haiti, antes da queda de Jean-Bertrand Aristide [ex-presidente, que acusa os EUA de tê-lo tirado do poder em fevereiro], esteve, na prática, sob o controle de uma força rebelde armada. Algumas pessoas -e eu não concordo com elas, pois vi atrocidades sendo cometidas- acreditavam que esses rebeldes pudessem acabar controlando a violência.
Isso não ocorreu, pois os americanos acabaram entrando na disputa e fizeram todo o possível para que os rebeldes não derrubassem Aristide. Pois os EUA é que queriam se encarregar disso.
Aristide era um corrupto que não cumpriu suas promessas e que estava esmagando os movimentos sociais em benefício próprio. Já os rebeldes tinham agenda própria.
Não acredito que eles pudessem ser a solução para o Haiti. Muitos são assassinos oriundos das Forças Armadas e que cometeram centenas de atrocidades. Não eram e não são a solução, mas parte do problema.

Folha - Como o país poderia sair sozinho dessa situação, sem um presidente e eventualmente controlado por rebeldes assassinos?
Etienne -
O problema do Haiti hoje é a fragilidade dos movimentos sociais. Nada emerge ainda como uma força conjunta, como uma alternativa autêntica.
O que a atual ocupação está fazendo, com a ajuda das tropas brasileiras, é sufocar ainda mais essa situação, não apenas o nosso movimento, mas qualquer outra alternativa interna.
A ocupação estrangeira atual está apenas pavimentando o caminho para os planos políticos e econômicos dos EUA no Haiti.


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