São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2004

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"Esses bastardos têm de morrer", afirma parente

ANDREW OSBORN
DO "INDEPENDENT", EM BESLAN

Em sua cozinha, a poucas quadras de onde estão os pelo menos 350 prisioneiros dos terroristas, Aza Ezaev tenta se recompor enquanto a todo instante as lágrimas surgem em seus olhos.
Como muitos na pequena cidade de 35 mil habitantes no norte do Cáucaso, Aza, 74, tem amigos e parentes na escola: sua filha, sua sobrinha e três netos. Enquanto ela faz chá, reverberam as explosões das granadas disparadas pelos seqüestradores contra as forças especiais russas. O som dos tiros de pistola cortam o dia, e o som dos disparos de metralhadora ecoam na cidade.
"Mal consigo me concentrar. Se eu soubesse que viriam, teria preparado um comida típica da Ossétia", diz para os dois jornalistas que generosamente aceitou hospedar. "Tenho cinco parentes lá e sei que só há um jeito disso acabar: mal. Essas pessoas [os seqüestradores] não são humanos, não têm consciência ou escrúpulos." Ela fica séria, e seu filho Alek concorda.
"Temos um ditado: "A Rússia precisa do Cáucaso, mas sem o povo que vive aqui". Esses bastardos têm de ser capturados e depois mortos."
A nora de Aza, Larissa, que é tchetchena, tenta manter-se ocupada com os dois filhos de três e dois anos, tal como se fosse um dia qualquer. "Não fiquem ouvindo a conversa", fala para as crianças, enquanto outra explosão sacode a cidade. "Vão brincar lá fora", manda Alek.
Aza diz que os seqüestradores são "árabes, tchetchenos e inguchétios", pronunciando a última palavra como se estivesse cuspindo comida estragada. "Eu culpo os inguchétios. Sempre foram um povo com o coração empedernido. Stálin os deportou, e todo mundo ficou feliz, aí eles voltaram e os problemas recomeçaram. Somos um povo temente a Deus cercado de muçulmanos e forças hostis por todos os lados."
Alek diz que as coisas jamais serão como antes, não importa o fim. "Como se pode esquecer quem mata crianças? Não dá. Vai haver guerra depois disso, e nós vamos lutar."
"Somos todos muito ligados na Ossétia. Quase todo mundo é parente. Todos são próximos. Abraçamo-nos a todo instante porque essa é a nossa tragédia."
Os boatos se espalham: tanques estão vindo da vizinha cidade de Vladikavkaz; um homem na escola foi esquartejado; um número indefinido de prisioneiros foi solto; corpos de crianças foram lançados das janelas da escola; e os muitos cachorros soltos nas ruas da cidade começaram a comer os corpos caídos na frente da escola longe da imprensa.
Fátima, funcionária dos correios, implora com os olhos: "Moço, é verdade que soltaram prisioneiros?" Como muitos ali, conta uma história trágica. Seu amigo foi atingido, diz, quando tentou apanhar uma metralhadora para enfrentar os terroristas. "Seu corpo ainda está onde caiu. Não conseguimos recuperá-lo."
Tropas cruzam as ruas com comida e cobertores para os seqüestrados, mas os tchetchenos e inguchétios recusam. Centenas de parentes se reúnem na Casa de Cultura para ouvir as últimas informações. Policiais mantêm os jornalistas longe, explicando que têm ordens de oferecer aos parentes um refúgio da mídia.
Uma mulher usando um típico lenço do Cáucaso começa a gritar e segura a cabeça ao ouvir uma explosão. "Estão matando as nossas crianças", diz outra.
Grupos de parentes carregavam cartazes contra o governo: "Putin: não há menos de 800 pessoas seqüestradas", diz um deles. "Putin: deixe nossas crianças irem. Aceite as exigências dos seqüestradores", pede outro.


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