São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

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Sucessão de Annan mobiliza ONU

Não-Alinhados querem democratizar a escolha, restrita aos membros do Conselho de Segurança

Cargo de secretário-geral passou a ganhar dimensão política relevante como mediador de conflitos; sul-coreano é favorito no CS


VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DE NOVA YORK

Às vésperas da eleição do novo secretário-geral da ONU, uma corrente liderada pelo Movimento dos Não-Alinhados (MNA) propõe mudar o sistema de votação do sucessor de Kofi Annan, que deixa o cargo em 31 de dezembro.
Hoje, o secretário-geral é escolhido pelos 15 membros do Conselho de Segurança, que indicam um único candidato para aclamação da Assembléia Geral. Foi assim com Annan e com seus seis antecessores. O projeto do MNA quer agora que o CS conduza ao menos dois nomes ao plenário para eleição. A proposta esbarra na rejeição dos EUA e dos outros quatro membros permanentes, com poder de veto, do Conselho: China, França, Reino Unido e Rússia.
Diplomatas brasileiros e estrangeiros ouvidos pela Folha na ONU dizem achar pouco provável que a moção seja aprovada, mas a dissidência abre discussão sobre o peso das potências na ONU. A organização não tem regras eleitorais claras e todo o processo é baseado na tradição e acordos diplomáticos.

Critérios
A proposta alternativa prevê a sabatina dos candidatos pela Assembléia Geral e estrutura de campanha eleitoral, com debates, discursos e urnas. Atualmente, o CS promove consultas, nem sempre públicas.
"Não existem critérios objetivos. O que prevalece é a vontade do Conselho de Segurança. Não há nada de altruísmo", avalia o diplomata Paulo Tarrisse, 48, da missão brasileira na ONU.
"O servidor público mais alto do mundo tem sido escolhido de maneira muito pouco democrática e desacreditada. A falta de independência do secretário-geral é um problema sério que enfraquece o cargo e ameaça os esforços da ONU", diz o analista político Bill Pace, do Institute for Global Policy.
O MNA, hoje composto por 116 países e liderado pela Malásia, surgiu na Conferência de Bandung (Indonésia, 1955), no auge da Guerra Fria, com a proposta de uma nova geopolítica: no lugar do conflito leste-oeste, a oposição norte-sul. O Brasil não é signatário, mas observador do movimento.
O Canadá, aliado histórico dos EUA, também apresentou proposta para mudança no processo de escolha do secretário-geral, mas menos explícita. O projeto prevê apenas a "necessidade de um papel mais ativo da Assembléia Geral".
Em meio à resistência dos Não-Alinhados, surgem quatro nomes como candidatos oficiais à sucessão (veja perfis ao lado). O mais cotado, hoje, é o chanceler da Coréia do Sul, Ban Ki-Moon. O sul-coreano tem a simpatia dos EUA.
Em segundo lugar aparece o indiano Shashi Tharoor. Uma das desvantagens de Tharoor, cuja candidatura é vista com desconfiança pelos americanos, seria a percepção de que ele é próximo a Annan e representaria a continuidade do modelo atual, contrário à "guerra preventiva" da Doutrina Bush.
"Os EUA não querem ninguém parecido com o Annan. O governo americano não gosta dele, já chegaram a pedir a renúncia nos bastidores, à época da invasão do Iraque", diz um diplomata brasileiro envolvido nas negociações da sucessão.
Há um consenso na organização de que o novo secretário-geral seja asiático, na seqüência de rotatividade geográfica ditada pela tradição. Todos os secretários-gerais da ONU foram de países sem liderança regional. Annan é ganense.
Recentemente, os 15 membros do CS fizeram uma votação indicativa. Ganhou o coreano Ban Ki-Moon. Em segundo lugar ficou o indiano Tharoor.
Tharoor é apoiado pelo empresário indiano Lakshmi Mittal, dono do grupo Mittal Steel. Segundo o jornal "The Times of India", o bilionário tenta utilizar as boas relações com os dirigentes políticos de países da África e da Europa para conseguir apoio à candidatura de Tharoor. Também espera convencer o governo britânico e, na seqüência, a Casa Branca.
No último dia 22, Lakshmi Mittal encontrou-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto para discutir problemas ligados à compra da Arcelor por parte de seu grupo siderúrgico e pediu o apoio brasileiro a Tharoor.
Ao longo dos anos, o secretário-geral da ONU passou a ganhar dimensão política relevante como mediador dos conflitos internacionais. Enfraquecida com a débâcle da Guerra do Iraque, a função é centro das discussões sobre a reforma da ONU. "O secretário-geral não é um general. É a combinação de talento político com capacidade administrativa", diz Tarrisse.


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