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Sucessão de Annan mobiliza ONU
Não-Alinhados querem democratizar a escolha, restrita aos membros do Conselho de Segurança
Cargo de secretário-geral passou a ganhar dimensão política relevante como mediador de conflitos; sul-coreano é favorito no CS
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DE NOVA YORK
Às vésperas da eleição do novo secretário-geral da ONU,
uma corrente liderada pelo
Movimento dos Não-Alinhados (MNA) propõe mudar o sistema de votação do sucessor de
Kofi Annan, que deixa o cargo
em 31 de dezembro.
Hoje, o secretário-geral é escolhido pelos 15 membros do
Conselho de Segurança, que indicam um único candidato para
aclamação da Assembléia Geral. Foi assim com Annan e com
seus seis antecessores. O projeto do MNA quer agora que o CS
conduza ao menos dois nomes
ao plenário para eleição. A proposta esbarra na rejeição dos
EUA e dos outros quatro membros permanentes, com poder
de veto, do Conselho: China,
França, Reino Unido e Rússia.
Diplomatas brasileiros e estrangeiros ouvidos pela Folha
na ONU dizem achar pouco
provável que a moção seja
aprovada, mas a dissidência
abre discussão sobre o peso das
potências na ONU. A organização não tem regras eleitorais
claras e todo o processo é baseado na tradição e acordos diplomáticos.
Critérios
A proposta alternativa prevê
a sabatina dos candidatos pela
Assembléia Geral e estrutura
de campanha eleitoral, com debates, discursos e urnas. Atualmente, o CS promove consultas, nem sempre públicas.
"Não existem critérios objetivos. O que prevalece é a vontade do Conselho de Segurança. Não há nada de altruísmo",
avalia o diplomata Paulo Tarrisse, 48, da missão brasileira
na ONU.
"O servidor público mais alto
do mundo tem sido escolhido
de maneira muito pouco democrática e desacreditada. A falta
de independência do secretário-geral é um problema sério
que enfraquece o cargo e ameaça os esforços da ONU", diz o
analista político Bill Pace, do
Institute for Global Policy.
O MNA, hoje composto por
116 países e liderado pela Malásia, surgiu na Conferência de
Bandung (Indonésia, 1955), no
auge da Guerra Fria, com a proposta de uma nova geopolítica:
no lugar do conflito leste-oeste,
a oposição norte-sul. O Brasil
não é signatário, mas observador do movimento.
O Canadá, aliado histórico
dos EUA, também apresentou
proposta para mudança no processo de escolha do secretário-geral, mas menos explícita. O
projeto prevê apenas a "necessidade de um papel mais ativo
da Assembléia Geral".
Em meio à resistência dos
Não-Alinhados, surgem quatro
nomes como candidatos oficiais à sucessão (veja perfis ao
lado). O mais cotado, hoje, é o
chanceler da Coréia do Sul, Ban
Ki-Moon. O sul-coreano tem a
simpatia dos EUA.
Em segundo lugar aparece o
indiano Shashi Tharoor. Uma
das desvantagens de Tharoor,
cuja candidatura é vista com
desconfiança pelos americanos, seria a percepção de que
ele é próximo a Annan e representaria a continuidade do modelo atual, contrário à "guerra
preventiva" da Doutrina Bush.
"Os EUA não querem ninguém parecido com o Annan. O
governo americano não gosta
dele, já chegaram a pedir a renúncia nos bastidores, à época
da invasão do Iraque", diz um
diplomata brasileiro envolvido
nas negociações da sucessão.
Há um consenso na organização de que o novo secretário-geral seja asiático, na seqüência
de rotatividade geográfica ditada pela tradição. Todos os secretários-gerais da ONU foram
de países sem liderança regional. Annan é ganense.
Recentemente, os 15 membros do CS fizeram uma votação indicativa. Ganhou o coreano Ban Ki-Moon. Em segundo
lugar ficou o indiano Tharoor.
Tharoor é apoiado pelo empresário indiano Lakshmi Mittal, dono do grupo Mittal Steel.
Segundo o jornal "The Times of
India", o bilionário tenta utilizar as boas relações com os dirigentes políticos de países da
África e da Europa para conseguir apoio à candidatura de
Tharoor. Também espera convencer o governo britânico e,
na seqüência, a Casa Branca.
No último dia 22, Lakshmi
Mittal encontrou-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto para
discutir problemas ligados à
compra da Arcelor por parte de
seu grupo siderúrgico e pediu o
apoio brasileiro a Tharoor.
Ao longo dos anos, o secretário-geral da ONU passou a ganhar dimensão política relevante como mediador dos conflitos internacionais. Enfraquecida com a débâcle da Guerra do Iraque, a função é centro
das discussões sobre a reforma
da ONU. "O secretário-geral
não é um general. É a combinação de talento político com capacidade administrativa", diz
Tarrisse.
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