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Entre o idealismo e o poder, organização avança lentamente
MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
Para que serve a ONU? Para
"manter a paz e a segurança internacionais", diz sua Carta logo na primeira frase, mas nos
últimos anos essa missão vem
sendo seguidamente frustrada,
em meio a uma expectativa
exageradamente idealista em
torno da capacidade de a organização se impor sobre os interesses das nações.
Alvo de descrédito e motivo
de desalento pela incapacidade
de evitar e resolver conflitos
mundiais recentes, afinal sua
principal razão de ser, a ONU
teve um raro momento de
triunfo, ainda que incompleto,
na recente crise do Líbano. Pela
primeira vez na história uma
resolução sobre uma força de
paz no Oriente Médio ganhou a
aprovação de todos os cinco
membros permanentes do
Conselho de Segurança (CS).
A unanimidade sobre a urgência no envio de tropas internacionais para garantir o cessar-fogo entre Israel e o Hizbollah levou o jornal londrino "Financial Times" a celebrar em
editorial "a segunda vinda da
ONU", ainda que reconhecendo que o ressurgimento se deve
em parte à "influência em declínio dos EUA na região".
Para o embaixador brasileiro
João Clemente Baena Soares,
um dos 16 "notáveis" convidados no ano passado pelo secretário-geral Kofi Annan a propor reformas para a ONU, o otimismo é justificado. "Acho que
pode ser o começo de uma nova
fase, na qual a ONU se afirme
como o fórum no qual são discutidos e decididos os principais temas mundiais, sobretudo os conflitos", disse.
Baena Soares, ex-secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (1984-1994),
não concorda com os que apontam a tentativa de reformar a
ONU como um fracasso total. A
promoção do principal órgão
de direitos humanos da ONU
de "comissão" para "conselho",
e a criação da Comissão de
Construção da Paz são dois sinais claros do rumo que a ONU
deve seguir, diz o diplomata.
"Ao instituir um Conselho
para a questão dos direitos humanos a organização mostra
que essa é uma de suas prioridades. No segundo caso, indica
que não basta pôr fim a um conflito: é preciso construir a paz."
A sensação de fracasso em
torno das reformas que Annan
tentou implementar deriva
principalmente da dificuldade
em tornar mais democrático o
processo decisório. A ampliação do CS para abrigar novos
membros permanentes, uma
das prioridades da política externa do governo Lula, está longe de sair do papel.
Composto para refletir o
equilíbrio geopolítico mundial
após a Segunda Guerra, quando
foi fundada, o principal órgão
da organização virou "uma peça de museu", nas palavras do
britânico Brian Urquhart, ex-subsecretário-geral da ONU.
"Kofi Annan fez um grande
esforço para implementar reformas, mas cada país quer proteger sua área de influência e
impede as mudanças", diz Richard Roth, que, como repórter
da CNN na ONU, conheceu os
entraves que tornam a organização paquidérmica.
"Imagine uma empresa com
192 membros em seu conselho
de administração. Estamos falando de um elefante que se
move muito lentamente."
Roth vê na crise do Líbano
um sinal positivo. "Mas o governo americano só recorreu
ao Conselho quando concluiu
que Israel não conseguiria eliminar o Hizbollah", admite.
A conveniência política, mais
que tudo, é o que determina o
rumo das decisões na ONU, insiste Crane Ross, ex-diplomata
britânico que dirige a assessoria Independent Diplomat. "É
um exagero chamar a atuação
no Líbano como um ressurgimento da ONU. As grandes potências usam a organização como um instrumento quando
lhes é apropriado. A idéia de
que a ONU tem uma autoridade política e moral acima dos
países é um mito perpétuo."
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