São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

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Entre o idealismo e o poder, organização avança lentamente

MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO

Para que serve a ONU? Para "manter a paz e a segurança internacionais", diz sua Carta logo na primeira frase, mas nos últimos anos essa missão vem sendo seguidamente frustrada, em meio a uma expectativa exageradamente idealista em torno da capacidade de a organização se impor sobre os interesses das nações.
Alvo de descrédito e motivo de desalento pela incapacidade de evitar e resolver conflitos mundiais recentes, afinal sua principal razão de ser, a ONU teve um raro momento de triunfo, ainda que incompleto, na recente crise do Líbano. Pela primeira vez na história uma resolução sobre uma força de paz no Oriente Médio ganhou a aprovação de todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (CS).
A unanimidade sobre a urgência no envio de tropas internacionais para garantir o cessar-fogo entre Israel e o Hizbollah levou o jornal londrino "Financial Times" a celebrar em editorial "a segunda vinda da ONU", ainda que reconhecendo que o ressurgimento se deve em parte à "influência em declínio dos EUA na região".
Para o embaixador brasileiro João Clemente Baena Soares, um dos 16 "notáveis" convidados no ano passado pelo secretário-geral Kofi Annan a propor reformas para a ONU, o otimismo é justificado. "Acho que pode ser o começo de uma nova fase, na qual a ONU se afirme como o fórum no qual são discutidos e decididos os principais temas mundiais, sobretudo os conflitos", disse.
Baena Soares, ex-secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (1984-1994), não concorda com os que apontam a tentativa de reformar a ONU como um fracasso total. A promoção do principal órgão de direitos humanos da ONU de "comissão" para "conselho", e a criação da Comissão de Construção da Paz são dois sinais claros do rumo que a ONU deve seguir, diz o diplomata.
"Ao instituir um Conselho para a questão dos direitos humanos a organização mostra que essa é uma de suas prioridades. No segundo caso, indica que não basta pôr fim a um conflito: é preciso construir a paz."
A sensação de fracasso em torno das reformas que Annan tentou implementar deriva principalmente da dificuldade em tornar mais democrático o processo decisório. A ampliação do CS para abrigar novos membros permanentes, uma das prioridades da política externa do governo Lula, está longe de sair do papel.
Composto para refletir o equilíbrio geopolítico mundial após a Segunda Guerra, quando foi fundada, o principal órgão da organização virou "uma peça de museu", nas palavras do britânico Brian Urquhart, ex-subsecretário-geral da ONU.
"Kofi Annan fez um grande esforço para implementar reformas, mas cada país quer proteger sua área de influência e impede as mudanças", diz Richard Roth, que, como repórter da CNN na ONU, conheceu os entraves que tornam a organização paquidérmica.
"Imagine uma empresa com 192 membros em seu conselho de administração. Estamos falando de um elefante que se move muito lentamente."
Roth vê na crise do Líbano um sinal positivo. "Mas o governo americano só recorreu ao Conselho quando concluiu que Israel não conseguiria eliminar o Hizbollah", admite.
A conveniência política, mais que tudo, é o que determina o rumo das decisões na ONU, insiste Crane Ross, ex-diplomata britânico que dirige a assessoria Independent Diplomat. "É um exagero chamar a atuação no Líbano como um ressurgimento da ONU. As grandes potências usam a organização como um instrumento quando lhes é apropriado. A idéia de que a ONU tem uma autoridade política e moral acima dos países é um mito perpétuo."


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