São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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Bush capitaliza "cultura do medo" pós-atentados

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Em razão dos atentados terroristas ao World Trade Center e ao Pentágono e de seus efeitos internos e externos, desde o final da Guerra do Vietnã -na década de 70-, a política internacional não tinha tanta influência numa disputa eleitoral americana quanto atualmente, de acordo com especialistas consultados pela Folha.
Assim, a campanha para as eleições legislativas americanas foi marcada pelo assunto que domina a cena política dos EUA desde 11 de setembro de 2001: a guerra ao terrorismo internacional e as ameaças que (supostamente) pairam sobre os americanos. Embora cruciais em alguns casos, os temas domésticos foram pouco debatidos nos últimos meses.
"Os democratas ficaram presos numa armadilha. Normalmente, eles se concentram mais em questões internas do que os republicanos. Porém, após os ataques terroristas, eles foram muito criticados por não dar a devida atenção às ameaças externas e foram obrigados a abrandar suas críticas no que se refere à esfera doméstica", analisou Diana Owen, professora de ciência política na Universidade de Georgetown (EUA).
"Afinal, se houver outro atentado, os democratas poderão ser vistos pelo eleitorado como aqueles que desviam a atenção do público do que realmente interessa: o perigo representado pelos terroristas. Com isso, eles não têm uma linha clara de argumentação na atual campanha", acrescentou.
Contudo como explicar que, mais de um ano depois dos ataques terroristas, esse tema continue dominando a pauta política americana? Para Matthew Crenson, professor de ciência política na Universidade Johns Hopkins (EUA), o presidente George W. Bush (republicano) merece crédito por ter conseguido manter a "cultura do medo" viva no seio da sociedade americana.
"A atual administração fez um excelente trabalho no que concerne a manter os cidadãos com medo de novos ataques terroristas. Há sempre um assessor de Bush concedendo entrevistas às principais redes de TV do país e argumentando que nossos sistemas de defesa ainda não estão preparados para a ameaça de novos atentados, o que alimenta a cultura do medo", apontou Crenson.
"Mantendo o temor no cotidiano dos americanos [via mídia], Bush tornou a disputa eleitoral muito mais complexa para os democratas, que não puderam discutir alguns temas que lhe seriam favoráveis, como a reforma do sistema educacional ou a reestruturação dos mecanismos de proteção social", avaliou Owen.
"A retórica republicana é simples: "Quando vidas humanas e o estilo de vida da população estão em risco, não há sentido em debater questões prosaicas, como as escolas". Vários analistas dizem que Bush busca desviar a atenção dos eleitores dos problemas internos ao ameaçar atacar o Iraque, cuja ligação com o terrorismo internacional não é muito clara."
Em setembro, essa questão gerou uma crise diplomática entre a Alemanha e os EUA. À época, a então ministra da Justiça alemã, Herta Däubler-Gmelin, comparou os métodos de Bush aos de Adolf Hitler. Segundo ela, o presidente fazia uso de questões internacionais para desviar a atenção da população dos problemas internos, o que era característico do ditador nazista. O imbróglio custou o cargo a Däubler-Gmelin.

Influência da mídia
De acordo com Owen, autora de "New Media and American Politics" (nova mídia e política americana), a imprensa dos EUA constitui o maior agente de difusão da "cultura do medo".
"Logicamente, o terrorismo é um tema que agrada aos meios de comunicação, pois tem apelo popular. Além disso, a mídia americana abusa do sensacionalismo, inclusive na política. E, sobretudo, falar de uma suposta ameaça terrorista dá ótimas manchetes. Até no caso dos atiradores de Washington, a imprensa tentou achar um elo com o terrorismo internacional. Como dá audiência, o processo se auto-alimenta."
Ademais, Bush, que tinha grande dificuldade em lidar com a imprensa nos primeiros meses de seu governo, tem-se mostrado cada vez mais confiante ante as câmeras quando o assunto é a política externa americana.
"Bush aprendeu a usar a imprensa em seu benefício. Quando tenta ligar [o ditador iraquiano] Saddam Hussein a Osama bin Laden [líder da rede terrorista Al Qaeda], por mais discutíveis que sejam seus argumentos, ele parece muito à vontade em seus discursos", explicou Crenson.
Portanto, até agora, esse processo eleitoral é atípico. Trata-se, todavia, de um bom presságio para Bush. Afinal, tradicionalmente, o partido do presidente é derrotado na disputa legislativa que ocorre no meio de seu mandato.


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