São Paulo, sexta-feira, 03 de novembro de 2006

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Ortega tenta pela quarta vez voltar à Presidência

Aliado a ex-inimigos, líder da Frente Sandinista é favorito na eleição de domingo

EUA, que financiaram "contras" nos anos 1980, ameaçam cortar ajuda à Nicarágua se o dirigente da revolução de 1979 vencer

MARK LACEY
DO "NEW YORK TIMES", EM MANÁGUA, NICARÁGUA

Velho inimigo de Washington no final da Guerra Fria, Daniel Ortega continua a ser uma figura tão controversa hoje quanto a do jovem revolucionário que enfrentou Ronald Reagan. Depois de três tentativas frustradas de retornar ao poder nos últimos 15 anos, El Comandante, como Ortega é conhecido no país, está uma vez mais sorrindo nos cartazes de propaganda eleitoral nicaragüenses. Careca e ostentando certa barriga, Ortega, 60, tem sua melhor chance de voltar ao poder desde a queda dos sandinistas, nas eleições de 5 de novembro.
Ainda que as pesquisas de opinião pública dêem a Ortega cerca de 35% dos votos, ele é o líder em uma eleição rachada entre cinco candidatos. Para vencer, precisa ter 35% dos votos e uma distância de cinco pontos percentuais do segundo colocado. Mas a rejeição ao seu retorno é ampla, e os esforços para impedir sua vitória são intensos, e não só na Nicarágua.
A perspectiva gerou profunda ansiedade no governo Bush, que considera Ortega como possível novo aliado para o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, na contestação à política dos EUA. Chávez expressou apoio a Ortega, enquanto Washington indicou que a assistência ao país será reavaliada caso ele seja eleito.
A política nicaragüense continua a girar em torno do ex-marxista, que comandou o país quando a Frente Sandinista de Libertação Nacional libertou o país de quatro décadas de ditadura da família Somoza. Durante seu governo, disputas internas e uma insurgência direitista promovida pelos EUA, os "contras", causaram um banho de sangue nas regiões rurais.

Desafiantes
"A decisão que os eleitores tomarão em 5 de novembro é questão de sobrevivência nacional", disse Eduardo Montealegre, candidato da Aliança Nacional Nicaragüense (herdeira do movimento dos "contras"), em entrevista. "Com Ortega, não sobreviveremos." Montealegre, que foi ministro das Finanças e do Exterior em governos conservadores, conta com a aprovação de Washington.
Outro candidato, Edmundo Jarquin, economista e ex-diplomata na administração sandinista, critica Ortega por "se concentrar demais em conflitos". Ainda outro dos candidatos, José Rizo, ex-vice presidente pelo Partido Constitucionalista Liberal, uma agremiação que defende a economia de mercado, disse que o primeiro mandato de Ortega como presidente, nos anos 80, foi marcado por abusos contra os direitos humanos e por fracassos econômicos -agravados, é claro, pelo embargo comercial imposto pelo governo de Ronald Reagan (1980-1989).
A pletora de desafiantes faz com que cresçam as chances de Ortega no primeiro turno. Caso ele não vença no domingo, as chances que teria em um segundo turno se reduzem.
Os discursos de Ortega em palanque mantêm os apelos apaixonados aos pobres do país. Mas anos mostraram que Ortega é um líder muito menos ideológico do costumava ser quando criticava o Ocidente. Operador político astucioso, de acordo com o consenso das avaliações, ele tentou ampliar sua base formando alianças com velhos rivais, como alguns dos membros do Partido Constitucionalista Liberal, de Arnoldo Alemán, um antigo presidente conservador.
O mais proeminente dos novos partidários de Ortega é Jaime Morales, ex-membro dos contras, que se tornou candidato a vice-presidente na chapa de Ortega. Ele diz ter recebido indenização de Ortega pela casa que os sandinistas confiscaram de sua família em 1980, e na qual Ortega ainda vive. "O Daniel Ortega de hoje não é o mesmo que no passado", disse.
O fator que mais beneficia a campanha de Ortega é a condição precária em que vivem os nicaragüenses. A despeito de grande queda na dívida nacional e crescimento econômico, muitos se vêem como excluídos da recuperação nacional.


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